Utsuro no Hako:Volume1 2601ª vez

From Baka-Tsuki
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"Sou Aya Otonashi."

A aluna transferida murmura apenas estas palavras e nada mais.



"Meu Deus! Que demais!"

Meu amigo Haruaki Usui, que está sentando perto de mim, diz isso em uma voz bem alta. Faz isso mesmo com a aula sendo dada, e vigorosamente me dá um tapa nas costas.

Haruaki? Sabe, isso machuca mesmo, e os olhares que nossos colegas estão nos dando também são bem constrangedores...

O olhar de Haruaki já está virado para a parte de trás da sala, onde a aluna transferida, Aya Otonashi, está sentada.

"Nossos olhos se encontraram! Que demais!"

"Bem, quando você se vira desse jeito para olhá-la, é mais que natural que seus olhos se encontrem."

"Hoshii, é o DESTINO!"

Espera aí, o quê? Destino?

"De qualquer jeito, ela é tão linda! Ela com certeza seria aceita como uma obra de arte no mercado mundial...e então seria reconhecida como tesouro nacional. Oh, é tarde demais para mim, meu coração já foi roubado...Vou me confessar à ela."

Que rápido!!

O sinal toca. Depois de ficarmos de pé e reverenciarmos nosso professor, Haruaki segue diretamente até Otonashi-san sem se preocupar em sentar primeiro.

"Aya Otonashi-san! Me apaixonei por você à primeira vista. Eu te amo!"

Nossa, ele está mesmo fazendo isso...

Não consigo ouvir a resposta da Otonashi-san, mas a cara do Haruaki é uma pista inegável. Ah, não...não é preciso nem olhar para seu rosto.

Haruaki volta e para na frente da minha classe.

"Que absurdo... Eu fui rejeitado?"

Ele achou que sua confissão daria certo...? É assustador porque ele parece mesmo sério.

"Não é óbvio? Se confessar para ela do nada apenas irá irritá-la!"

"Hum, entendo seu ponto de vista. Pois então, eu me confessarei de novo. Mas da próxima vez, não será tão subitamente! Meus sentimentos estão destinados a alcançá-la algum dia!"

Por um lado sua mente positiva é quase invejável, por outro lado, preferiria apenas evitá-la totalmente.

"Se divertindo? Vocês estão me proporcionando um entretenimento muito bom, mas as garotas estão olhando para vocês com bastante desdenho."

Daiya se junta a nós com estas palavras.

"Hã?! Não é apenas o Haruaki que está sendo desprezado?!"

"Não, você tabém. As garotas consideram vocês como farinha do mesmo saco."

"Hoho, imagina se fizessem um bolo conosco? Seria uma honra! Não acha, Hoshii?"

O-O que eu fiz para merecer...

"Deixando isso de lado, Daiyan, até mesmo você quer dar encima dela, certo?"

Haruaki dá uma cotovelada em Daiya. Ele é capaz de fazer isso ao Daiya sem medo, provavelmente porque são amigos de infância. Ou talvez porque ele aja impulsivamente sem se preocupar com as consequências...

Daiya suspira e logo responde.

"Nem um pouco."

"Impossível! Nesse caso, Daiyan, quem poderia possivelmente tocar seu coração?"

"Não importa se meu coração bate mais rápido ou não por culpa da aparência dela. Posso até reconhecer sua beleza, mas mesmo assim não desejo dar em cima dela."

"Hããã...?"

"Haruaki, você não compreende mesmo, não é? Bem, claro que esses sentimentos não podem ser compreendidos por um primata como você, que vive seguindo seus instintos e que pegaria qualquer garota contanto que tivesse um rostinho bonito."

"O quê?! Para começar, o que instinto tem a ver com ligar para aparências?!"

"É instinto humano ser atraído por alguém bonito porque ter um herdeiro bonito aumentará as chances da sua linhagem sobreviver."

"Ooh", "Ooh" Haruaki e eu soltamos suspiros de admiração simultaneamente. Daiya parece espantado, como se estivesse chocado por ver que não sabíamos algo tão básico.

"Ah, entendi, Daiyan! Então você está dizendo que a beleza dela está tão além do nosso alcance que até mesmo você não consegue dar em cima dela! Não teria chance alguma! É isso, não é? Como aquela história da raposa que fez ela mesma pensar que a uva estava azeda quando não conseguiu alcançá-la. Seu comportamento é chamado de racionalização. Que sem graça, Daiyan!"

"Você ouviu alguma coisa do que eu falei? Francamente...bem, a primeira metade da sua afirmação não está verdadeiramente errada. Mas sobre a outra metade—vou te matar!"

"Hoho, então você não consegue mesmo dar em cima dela."

Haruaki está com um olhar triunfante em seu rosto. Daiya finalmente soca Haruaki. Wow, é como se toda a frustração do Daiya estivesse focada naquele soco...

"Não se trata de 'eu não conseguir dar em cima dela.' Se trata de 'ela não vai dar em cima de mim.'"

"Que arrogante...ei, Hoshii, esse cara não está se achando demais só por culpa da sua aparência?" Haruaki diz sem demonstrar qualquer traço de remorso.

"Não é como se ela não fosse dar em cima de mim por eu estar fora do seu alcance, isso pode ser verdade também, mas no caso dela isso nem se aplica."

"Nossa, ele está soltando esse papo estranho sem nem hesitar."

"Ela não me considera fora do seu alcance, não, ela nem entra nesse tipo de classificação. Não está interessada em nós para início de conversa. Não está nem nos desprezando. Assim como consideramos insetos somente como insetos, ela considera pessoas somente como pessoas. Isso é tudo. Ela não liga para pequenas diferenças entre as pessoas, como meu rosto bonito ou a horrorosa cara do Haruaki. Assim como o sexo de uma barata nem passa pela nossa mente. Como alguém conseguiria dar em cima de uma garota assim?"

Até mesmo Haruaki parece sobrecarregado com essa declaração impiedosa sobre Otonashi-san, e fica em silêncio.

"...Daiya."

Abri minha boca no lugar de Haruaki.

"Parece que você está surpreendentemente interessado na Otonashi-san."

Daiya fica sem palavras. Ah, essa é uma reação extremamente rara. Mas não estou certo? Deixando de lado se sua opinião é correta ou não, ele deve ter a observado por uma quantia considerável de tempo para fazer essa análise.

"...tch, não estou interessado!"

"Oh, está corado!"

"...ei Kazu. Você vai pisar em uma mina se continuar seguindo esse caminho. Quer que eu lhe mostre como usar um alho de um jeito que nem imagina? Você vai ficar com um caso tão grave de TEPT que só avistar alhos fará você explodir de agonia!" [1]

Precebo que Daiya está bem irritado, então tento mudar o assunto rindo desajeitadamente.

De qualquer forma, Daiya parece entender que ele e Otonashi-san são totalmente incompatíveis.

"Tirando a porcaria do seu senso de intuição que se compara ao de um inseto, até mesmo você logo irá perceber a anormalidade dela."

Soou meio que como uma desculpa esfarrapada.

Mas não era nada disso.

Sabe, ele estava certíssimo.



Logo após a aula acabar, Otonashi-san levanta sua mão subitamente. Nosso professor, Hokubo-sensei, a nota, mas Otonashi-san nem se importa se ele dá a permissão para perguntar. Ela se levanta e começa a falar antes que ele confirmasse.

"Quero que todos da turma 1-6 façam algo agora."

Otonashi-san ignora nossas reações pasmas e continua.

"Levará cinco minutos. Vocês podem gastar esse tempinho, certo?"

Ninguém responde, mas ela se dirije à plataforma mesmo assim. Ela calmamente conduz Hokubo-sensei para fora da sala, e então toma seu lugar na plataforma. Mesmo que essa seja definitivamente uma situação anormal, ela, de algum jeito, a faz parecer totalmente natural. A julgar pelas reações de meus colegas, eles pensam o mesmo.

Há um silêncio mortal na sala.

Parada na plataforma, Otonashi-san fala enquanto olha diretamente à frente.

"Vocês irão escrever 'uma certa coisa' para mim."

Otonashi-san desce da plataforma e entrega alguns papéis para os alunos na fileira da frente. Cada aluno pega uma folha e passa o resto para os alunos atrás dele; assim como são feitos com folhetos que precisam ser distribuídos à toda turma.

Eu finalmente recebo uma folha. É uma folha comum de papel reciclado medindo mais ou menos 10cm de cada lado.

"Quando acabarem, por favor entreguem para mim."

"Mas que 'certa coisa' é essa?"

Assim que Kokone faz a pergunta que está soando na cabeça de todos, Otonashi-san responde planamente:

"Meu nome."

Com esse comentário, a turma antes silenciosa começa a ficar barulhenta. Justo, eu também não entendi. Seu nome? Todos sabem seu nome. Ela recém se apresentou como "Aya Otonashi" essa manhã.

"Que idiotice!" alguém grita. Só há uma única pessoa que poderia dizer tal coisa à Otonashi-san.

Daiya Oomine.

Todos meus colegas seguram a respiração. Todos sabem que Daiya fará um inimigo terrível.

"Seu nome é Aya Otonashi. Por que quer que escrevamos isso? Quer tanto assim que gravemos seu nome?"

Otonashi-san continua calma apesar do discurso agressivo de Daiya.

"Eu escreveria 'Aya Otonashi'. Mas acabei de contar isso. Então não preciso mais escrever, certo?"

"Sim, não me importo."

Aparentemente ele não esperava uma afirmação tão simples e fica desolado de palavras.

Ele range os dentes, rasga o papel fazendo o máximo de barulho possível e deixa a sala.

"Qual é o problema? Por que não começam a escrever?"

Ninguém foi capaz de começar a escrever. Pode não ser óbvio, mas todos estão surpresos e sobrecarregados pelo comportamento dela. Ela simplesmente retrucou Daiya. Como colegas do Daiya, sabemos o quão impressionante isso é.

Todos congelam por um tempo. Mas assim que o ruído do lápis de alguém quebra o silêncio, o som de rabiscos começa a ecoar pela sala.

Aposto que ninguém entende as intenções da Otonashi-san. Mas não importa. No fim, há apenas uma coisa que podemos escrever.

Há apenas o nome "Aya Otonashi".

A primeira pessoa a entregar sua folha para Otonashi-san é o Haruaki. Assim que ele se levanta, vários colegas seguem o exemplo. A expressão de Otonashi-san não muda quando ela recebe a folha de Haruaki.

Provavelmente... a resposta estava errada.

"Haruaki."

Eu o chamo enquanto ele volta ao seu lugar depois de trocar uma ou duas palavras com Mogi-san.

"O que foi, Hoshii?"

"O que você escreveu?"

"Hã? Bem, a única opção é 'Aya Otonashi', não é? Porém quase me esqueci de escrever a última letra." Haruaki diz parecendo um pouco desconsolado por alguma razão.

"...verdade, acho que essa é a única escolha..."

"Não pensa demais, apenas escreva!"

"Acha mesmo que ela fez isso tudo só para nos fazer escrever o nome dela?"

Se esse for o caso, não consigo entender sua preocupação.

Haruaki imediatamente responde com um "Claro que não," confirmando minhas dúvidas.

"Hã? Mas...você escreveu 'Aya Otonashi', não escreveu?"

"Sim....escuta, Daiyan é tão inteligente que nem tem graça, certo? Bem, por outro lado, sua personalidade é tão ruim que nem tem graça também."

Por sua súbita mudança de assunto, inclino minha cabeça.

"E ele disse que simplesmente escreveria 'Aya Otonashi'. Então ele não conseguiu pensar em nada mais para escrever. Claro que eu não conseguiria também. O que estou tentando dizer é que, bem, não podemos inventar uma alternativa, então não podemos escrever nada diferente."

"Se não consegue pensar em algo...não conseguirá escrever nada."

"Exato. Em outras palavras, esse exercício não era direcionado para nós."

Sinto que o Haruaki acertou na mosca. Ele deve ter razão.

Resumindo, Otonashi-san não liga para a maioria dos seus colegas e está fazendo isso apenas para a pessoa que consegue pensar em outra coisa.

Entendo porque o Haruaki parecia tão deprimido agora. Digo, foi amor à primeira vista. Sua confissão pode ter sido feita com um tom de brincadeira, mas não conheço ninguém mais à quem ele tenha se confessado. Então ele estava mais ou menos sendo sincero.

Mas ela não retornou seu afeto. Sua existência foi ignorada...como o Daiya tinha dito.

"...Haruaki, você é surpreendentemente brilhante."

"Não precisa do 'surpreendentemente'!"

Enquanto tento esconder meu comentárioo rude atrás de um sorriso tímido, Haruaki reage sorrindo amargamente.

"Vejo você depois. Se eu não sair agora, os veteranos vão me matar. Não, não estou exagerando!"

"Ah, certo. Vai lá."

Nosso tão falado time de beisebol parece bem exigente.

Olho para minha folha branca. Estou prestes a escrever "Aya Otonashi", mas apenas não consigo.

Olho para a Otonashi-san. Sua expressão não muda nem um pouquinho enquanto olha as folhas que a entregaram. Acho que em todas está escrito "Aya Otonashi".

alguém que não consegue pensar em nada mais não poderá escrever nada além disso.

"——"

Então o que eu devo fazer?

Depois de tudo aquilo, eu finalmente consigo pensar em algo. Por alguma razão, o nome absurdo "Maria" me vem à mente.

Sei que há algo de errado comigo. "Maria" entre todos os nomes. Não faço de ideia de onde este nome veio. Se entregar minha folha para ela com esse nome, ela simplesmente me desprezará com algumas palavras, algo como "Está brincando comigo?"

Mas e se essa, por algum motivo, for a resposta pela qual ela deseja...?

Depois de um grave equívoco, começa a escrever no pedaço de papel reciclado 10cm por 10cm.

"Maria"

Me levanto e dirijo-me à Otonashi-san. Não há mais uma fila. Parece que sou a última pessoa que sobrou. Entrego o papel à ela com nervosismo. Otonashi-san o aceita sem palavras.

Então ela olha para o que está escrito ali.

E sua expressão muda. Massivamente.

"...hã?"

Os olhos da Otonashi-san estão arregalados, mesmo não tendo mostrado o menor sinal de desconforto quando enfrentou nosso professor e Daiya?

"Fufufu..."

Ela subitamente cai na risada.

"Hoshino."

"Oh, lembrou meu nome."

Instantaneamente me arrependi de ter dito aquilo. Porque, quando ela para de rir, me encara como se fosse seu aqui-inimigo.

"...Seu...! Tá de brincadeira comigo?!?"

Ela parece ter suprimido sua fúria desesperadamente, já que apenas consegue falar em uma voz baixa e pretensiosa. Eu esperava a parte da "brincadeira", mas o tom da sua voz é meio que uma surpresa.

Ela me agarra pelo colarinho com toda sua força.

"Ah! D-Desculpa! N-Não é como se eu quisesse implicar com você..."

"Então está me dizendo que consegue escrever uma resposta dessas sem ser um tipo de piada?"

"...err, bem. Você...pode estar certa. Talvez eu esteja brincando."

Isso deve ter sido a gota d'água.

Sem largar meu colarinho, ela me arrasta pelo seu rastro, até a parte de trás da escola.



"Hoshino. Está tirando sarro de mim?"

Otonashi-san me empurra contra a parede do prédio escolar e me encara.

"Não sou tão bom em criar planos. Sei disso. Então tive um plano insano que praticamente grita 'Culpado, mostre-se!' Não, não pode nem ser considerado um plano. E ainda assim...Por que diabos você mordeu a isca!? E essa já é a segunda vez que faço isso! Da primeira vez você ignorou completamente!"

Ela tira a mão do meu colarinho, mas a pressão do seu olhar furioso é mais que o bastante para me manter no lugar.

Otonashi-san continua a me encarar enquanto morde seus lábios, e então suspira.

"...não, perdi minha compostura porque finalmente obtive uma resposta usando um método tão ridículo. Mas isso significa que a situação está mesmo melhorando, então acho que deveria ficar feliz."

"...é, eu acho. Você devia ficar feliz! Hahaha."

Otonashi-san fecha a cara de novo para o meu riso forçado. É melhor eu apenas ficar quieto.

"...Não entendo. Na verdade, estava pensando que talvez você tenha sido derrotado por minha persistência...mas que cara ignorante e relaxada é essa?!"

Não sou ignorante, é que não faço ideia do que você está falando!

"Você ficou me ignorando por 2,600 iterações. Eu recuso me render, não importando quantas vezes essa recorrência sem fim continuar. Porém, ainda sinto o cansaço. Você também deve sentir, então como consegue manter essa compostura?!"

O que eu deveria...Não faço ideia do que está falando.

Aparentemente ela finalmente nota meu desnorteamento e me olha suspeitosamente.

"......será que você não sabe?"

"Saber? Saber o quê?"

"...muito bem. Se está fingindo ou não, uma explicação não machucará ninguém. Hum, certo. Para simplificar—Eu já me 'transferi' 2,601 vezes."

Tudo que consigo fazer é ficar inexpressivamente espantado.

"Se está apenas fingindo então você é mesmo incrível. Mas se não 'não sabe' mesmo, seria certamente natural estar com essa cara. Que seja. Explicarei o que sei. Hum, certo—hoje é 2 de Março, não é?"

Confirmo com a cabeça.

"Seria mais fácil dizer que eu repeti este 2 de Março 2,601 vezes, mas não estaria exatamente correto. Por isso eu uso a expressão transferência escolar, mesmo isso não sendo bem apropriado também."

"Haa…"

"Eu fui mandada de volta para 2 de Março, 6:27 A.M. 2,601 vezes."

"……"

"'Mandada de volta' é a expressão correta pela minha perspectiva, mas não é universalmente correta. Por isso uso a expressão transferência escolar, já que é o mais perto do que acontece—"

Otonashi-san vê que estou boquiaberto e coça sua cabeça.

"Aah, francamente! O quão burro você é?! Se há algo que você não aprova perto das 06:27 A.M., você simplesmente o chama 'vazio', não é?!" Ela grita comigo, praticamente fervendo por dentro. Não, não...ninguém na minha posição seria capaz de seguir sua linha de raciocínio, certo?

"...Eu não entendi direito, mas você está repetindo o mesmo dia de novo e de novo?"

Acontece no mesmo instante que digo isso.

"Ah—"

O quê? O que foi isso?

Aperto meu peito, onde uma sensação intensa e estranho me ataca. Me sinto desconfortável...não, "desconfortável" nem chega perto. É uma sensação profundamente estranha, como se sua cidade natal fosse subitamente substituída por uma cidade toalmente diferente e você é a única pessoa que notou.

Não é como se minhas lembranças tivessem voltado. Não me lembrei de nada novo.

Mas por alguma razão consigo sentir que algo estava ali.

Otonashi-san está dizendo a verdade.

Verdade nua e crua.

"Finalmente entendeu?"

"...e-espera aí."

Ela viveu o 2 de Março 2,601 vezes. Só isso seria mais do que necessário para me fazer delirar, mas a Otonashi-san está basicamente afirmando:

"...sou o responsável por isso?"

"É," Otonashi-san responde na hora.

"P-Por que eu faria isso?"

"Como se eu entendesse seus motivos."

"Não sou eu quem está fazendo isso!"

"Como pode dizer isso se nem mesmo sabia de nada?"

Estava prestes a dizer, "Por que eu?" mas realizo que há apenas uma coisa que me destacou.

Escrevi "Maria" naquela folha.

"Assim como não sabia dessas recorrências até agora, outras pessoas que foram arrastadas à essa situação não têm como lembrar das iterações que se tornaram 'vazio.' Em outras palavras: além de mim, apenas o culpado seria capaz de escrever o nome 'Maria', o qual mencionei apenas em iterações passadas."

Mas eu lembrei desse nome. Tenho que admitir que é inpensável um nome como "Maria" aparecer espontaneamente em minha cabeça.

"Não sei se é efetivo, mas sempre tendo me comportar de um jeito que me faça destacar-me nas lembranças de todos. Estive esperando o culpado, que deveria também lembrar das iterações passadas que tornaram-se 'vazio', cometer um erro. Bem, não esperava muito dessa estratégia..."

"...quando começou a suspeitar de mim? Digo, você especificamente mencionou esse nome—'Maria'—para mim em uma iteração passada, certo?"

"Na verdade, você parecia basicamente inofensivo, por isso não suspeitei especificamente de você."

"Então...?"

"Hunf, claro que testei uma pessoa por vez mencionando esse nome. Afinal, meu tempo é basicamente ilimitado."

Seu tempo é ilimitado.

O tempo que Otonashi-san gastou. Uma quantidade de tempo tão grande, "ilimitado" não pode nem ser chamado de figura de linguagem nesse ponto.

Entendo. Seu tempo é basicamente ilimitado, por isso ela elaborou esse plano aleatório de fazer a turma escrever seu nome—na pequena esperança de que alguém escreveria "Maria". Mesmo que ela não tivesse nenhuma chance real de sucesso. Todos seus melhores planos se exauriram muito antes da 2,601ª transferência, então provavelmente era apenas um jeito de matar tempo até ela elaborar um novo plano. Para continuar sã, tentar um plano com chances de sucesso quase impossíveis ainda é melhor do que não fazer nada. Afinal, o tempo que ela passa dentro dessas "Transferências Escolares" possivelmente poderia durar para sempre.

Por isso Otonashi-san ficou tão irritada quando eu caí nesse truque. É como quando não importa o quão duro você tente, você não consegue derrotar um inimigo em um RPG e então treina e sobe de nível desesperadamente—mas na verdade, você poderia ter o derrotado facilmente apenas usando um item que pode ser obtido sem esforços. Você alcançou seu objetivo no fim, mas ressente desesperadamente ter perdido todo aquele tempo e esforço.

"Bem, vamos parar com essa conversa fiada. Afinal, nada foi resolvido."

"Tem certeza?"

"Claro. Ou talvez a situação parece estável para você? Esse pesadelo sem fim, a Sala da Rejeião, parece ter acabado para você?"

A Sala da Rejeição? Acho que é assim que ela chama esse inferno de repetições.

De qualquer maneira, há apenas uma coisa que ainda me incomoda.

"Sabe, entendo porque você me trata como o culpado por eu ter escrito 'Maria'. Mas escute, para começar, por que você não é afetada por essa Sala da Rejeição?"

"Não é como se eu não fosse afetada; na verdade, sou afetada pela Sala da Rejeição como todo mundo. Se eu desistisse e parasse de tentar preservar minhas lembranças, a 'Sala' me capturaria na hora. Eu viveria sem sentido algum dentro dessa recorrência sem fim. Desistir seria tão fácil quanto derramar um copo de água que você está precariamente balançando no topo da sua cabeça. Nós continuaríamos vivendo esse dia que você está rejeitando."

"Tudo isso aconteceria se você apenas esquecesse?"

"Pense nisso. Há alguma outra pessoa que possivelmente poderia notar essa recorrência? Afinal, nem mesmo você sabia da recorrência, e foi você quem a criou..."

...ela deve estar certa. Afinal, ela já passou por 2,601 iterações.

"Seria infinitamente mais fácil para mim abandonar meus esforços para lembrar. Mas isso nunca acontecerá."

"...nunca?"

"Sim, nunca. Não é possível que eu desista. Não ligo se terei que repetir este dia 2,000 vezes, 20,000 vezes ou um gazilhão de vezes, eu superarei estas recorrências e alcançarei meu objetivo."

2,000 vezes. Comunmente topamos com "2,000" como uma unidade na nossa vida diária. Mas se formos mesmo contar um por um...por exemplo, há 365 dias num ano, 1,825 dias seriam cinco anos...e isso ainda não seria o bastante para alcançar 2,000 dias.

Otonashi-san já passou mais tempo do que isso na Sala da Rejeição.

"Hoshino. Você também não sabe por que criou essa Sala da Rejeição?"

"Hum?...não."

"Fufu, entendo. Digamos que você esteja se fazendo de bobo apenas para evitar essa pergunta, com certeza há um significado por trás disso tudo. Se está, você finge muito bem."

"N-Não estou fingindo!"

"Bem, então lhe pergunto—"

Otonashi-san ri fracamente.

"Hoshino, você econtrou—ele, não é?"

—quem?

...Não é a pergunta que faço para mim mesmo agora, por alguma razão. Quem eu encontrei? Não sei. Não consigo lembrar.

Ainda assim, entendo.

Encontrei '*'.

Quando? Onde? Claro que eu não saberia algo assim. Isso não faz parte das minhas lembranças. Mesmo assim, consigo sentir que nos encontramos.

Tento lembrar. Mas a informação é bloqueada, como se uma persiana fechasse extremamente rápido. Atenção! Você não pode entrar. Apenas pessoas autorizadas.

"Fufu, então você o encontrou," ela ri.

Agora Otonashi-san está convencida. E estou convencido também.

Eu, Kazuki Hoshino, sou a pessoa responsável por esta situação.

"Ele deve ter a entregado para você. A caixa que garante um único desejo."

Ela subitamente usa a palavra caixa. Baseado no que ela disse até agora, essa caixa parece ser a ferramenta que produziu a Sala da Rejeição.

"Ah, ainda não lhe disse meu objetivo," Otonashi-san me diz enquanto ri.

"Meu objetivo é—obter a caixa."

Então sua risada desaparece sem deixar vestígios. Otonashi-san, que está certa de que eu possuo a caixa, me encara friamente e dita uma ordem:

"Me entrege a caixa."

Eu definitivamente tenho a caixa. Não há alternativa, certo?

Mas é mesmo certo entregar esta caixa que garante qualquer desejo para ela?

Digo, Otonashi-san aguentou 2,601 repetições apenas a fim de obter essa caixa. Então ela tem um desejo que justifica esse esforço enorme. Ela quer realizar seu próprio desejo; mesmo que isso signifique desprezar meu desejo roubando minha caixa.

—Ela é movida por uma deterinação que beira a anormalidade.

Isso, isso é anormal. Aya Otonashi é anormal.

"...Não sei como."

Não estou mentindo. Mas também estou tentando mostrar um pouco de resistência.

"Entendo. Então você a entregará à mim assim que descobrir como?"

"Bem..."

"Esquecer como entregá-la é comum. Mas você não se esqueceu permanentemente; em algum lugar, bem no fundo, você ainda sabe como entregá-la. Do mesmo jeito que você nunca esquece como andar de bicicleta: você pode não ser capaz de ensinar os outros a andar, mas você ainda sabe instintivamente como andar. Você apenas está desnorteado porque não consegue converter esse entendimento em palavras."

"...não há como acabar com a Sala da Rejeição sem ser removendo a caixa?"

Otonashi-san me dá um olhar frio.

"Então você planeja não entregá-la para mim. É isso que está tentando dizer?"

"N-Não é bem isso..."

Sentindo meu pânico óbvio, Otonashi-san solta um suspiro silencioso.

"Vejamos. Acho que a Sala da Rejeição também acabaria se destruíssemos a caixa juntamente com seu proprietário."

"Destruí-la juntamente com seu proprietário...?"

"Proprietário" provavelmente refere-se ao culpado carregando a caixa—em outras palavras, eu. Destruí-la junto comigo? Em resumo—

Otonashi-san reprimi seus sentimentos e diz friamente: "A Sala da Rejeição acabará se você morrer."



Esta razão é o bastante para cometer um "***********"?

Está me dizendo que você planeja fazer isso à mim se necessário? Nesse caso, por favor seja rápida; assim seria mais fácil de aguentar.

Na manhã de 3 de Março. Num cruzamento chuvoso com pouca visibilidade.

Joguei meu guarda-chuva para o lado e olhei o "*******". Nada mais é registrado. O caminhão que bateu na parede e a Otonashi-san, que está apenas parada ali, nenhum dos dois está sendo processado pelo meu cérebro. Um líquido vermelho está jorrando continuamente; há tanto dele que a chuva nem consegue lavá-lo.

Um cadá***, sem metade da cabeça, cujo o ceré*** se espalhou por tudo. ****ver. Cadáver, Cadáver, CADÁver. CadáverCadáverCADÁVER. cadáVER. CadávercadáverCADÁVER. Cadáver. Cadáver. Cadáver!

O "Cadáver" de Haruaki.

"—ah"

Quando finalmente reconheço a coisa perante meus olhos, começo a vomitar.

Olho para Aya Otonashi. Ela está olhando inexpressivamente para mim.

"……Haruaki"

Mas não se preocupe, Haruaki!

Sabe, isso será desfeito mesmo.

Isso será convenientemente declarado "vazio".

......Oh? Será que...

Será que essa é a razão pela qual desejei pela Sala da Rejeição...? Porque estou rejeitando uma situação dessas?


  1. uma referência a um remédio caseiro feito de alho usado como supósitorio para curar infecções fúngicas. http://centrodeartigo.com/remedio-caseiro/artigo-1816.html
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