Zaregoto:Volume 1: Capítulo 3.3

From Baka-Tsuki
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Corvo de Asas molhadas[edit]

Sashirono Yayoi – Cozinheira gênio

0

Termine

1

Por falar nisso.

Parece que Corvo de Asas Molhadas quer dizer <O fim do desespero> em russo. Então se for assim, é possível dizer de maneira um pouco romântica que essa ilha é o local onde as pessoas desesperadas acabam chegando. Assim como o antônimo de amor não é ódio e sim apatia, o antônimo de esperança não é desespero. A indiferença que faz com que tudo não tenha importância nenhuma que é o antônimo de esperança. A indiferença absoluta e convincente, que consegue perdoar a tudo, que consegue aceitar <tudo como é>, que é o contrário da esperança.

Porque eu tenho tudo não quero mais nada.

Num lugar distante do outro lado dessa linha equilibrada.

Esse é um lugar onde todas as emoções têm o seu fim. Todos já olharam para essa existência, do outro lado de lago que não pode ser alcançado com olhares de adoração misturados com inveja. Uma região que está localizada em um lugar proibido, que possui uma extensa região que compreende a realidade e os símbolos de igualdade, mas que possui a mesma consistência que um instante.

Para se chegar ali é necessário sacrificar muitas coisas. E ainda por cima isso é só um caminho possível de ida sem volta.

Mas.

Só que.

Existem pessoas que chegaram ali.

Por algum erro.

Ou por algum sucesso.

Ibuki Kanami, Sonoyama Akane, Sashirono Yayoi, Himena Maki.

Akagami Iria, Chiga Akari, Chiga Hikari, Chiga Teruko, Handa Rei.

E a Kunagisa Tomo—

Isso é provavelmente mais um sentimentalismo inútil. Sem graça, sem valor, somente um zaregoto. E para piorar, esse zaregoto possui uma continuação.

Realmente... Até onde é um palhaço.

Esse eu aqui.


“Descobriram alguma coisa?”

Jantar do quinto dia.

A Teruko-san por ter ou não ter algum compromisso pessoal não estava presente, mas o restante das nove pessoas estava reunido. Nove pessoas. Até anteontem, até apenas anteontem doze pessoas estavam reunidas nessa mesa redonda.

“Será que é necessário perguntar mais uma vez? Kunagisa-san, vocês ainda estão investigando várias coisas, certo? Então, descobriram alguma coisa?”

A Iria-san repetiu a mesma pergunta.

Parece que está se divertindo.

Provavelmente está se divertindo muito.

Com certeza está se divertindo.

Essa pessoa também deve ter construído dentro de si um mundo inteiro. Já que essa ilha, essa ilha com o nome de Corvos de Asas Molhadas é o mundo para ela.

“Será que preciso perguntar mais uma vez?”

“Não descobrimos nada, nenhuma coisa, nenhuma pista sequer” e eu respondi. “O que isso tem a ver? Tem algum problema com isso?”

“Não—no fim acho que para isso é necessário um especialista mesmo” a Iria-san disse isso parecendo fascinada com algo. “Então o melhor é continuar agindo em times durante esse tempo, certo?”

“Daqui a três dias?” e o Shinya-san perguntou. “—Mesmo assim Iria-san, você realmente tem muita confiança... Que tipo de pessoa é ele? Como o conheceu?”

“Como isso foi algo pessoal...” a Iria-san mostra algo parecido com um sorriso. “Mas eu consigo explicar que tipo de pessoa ele é. Como posso dizer, sim, ele é uma pessoa que dá muito medo. Afinal ele é o contratante mais forte da humanidade. Mas ele também é muito inteligente. Com certeza vai resolver esse incidente em um piscar de olhos. Ufufu, eu realmente estou ansiosa.”

“...”

—Detetive, né.

Desvendar o mistério logo antes do detetive aparecer significa que, provavelmente, sou uma falha como personagem coadjuvante. Eu pensei nisso de maneira meio negativa. Mas, eu também estou arriscando minha vida e tenho várias razões para fazer isso. Não tem como eu ficar esperando calmamente a chegada do personagem principal. Além disso, a culpa é de quem está atrasado.

Kukukuku e a Maki-san ri do meu lado.

Essa pessoa da maneira dela deve estar se divertindo muito. Ela estaria rindo porque leu meus pensamentos ou porque viu a futura encenação que vai ocorrer a partir de agora? A razão de ela estar rindo deve conter essas duas, mas não deve ser só isso. Realmente... Que tipo de pessoa é ela que consegue absorver toda a verdade do mundo e ainda assim consegue rir?

Pode ser que eu sinta respeito por isso.

Eu desviei meu olhar da Maki-san.

“O Aikawa-san vai chegar nessa ilha daqui a três dias de tarde ou até um pouco mais cedo. Quando isso acontecer, com certeza—“

Enquanto a Iria-san falava alegremente sobre o detetive, de repente, junto com um grito “Não agüento mais!”, pôde se ouvir o som de talheres voando, pratos se batendo.

Era a Yayoi-san.

GATAN, ela se levantou e com sua mão direita começou a jogar os pratos que ela havia preparado. E ainda por cima ela puxou as pernas em cruz da mesa, que já estavam sujas, e por causa disso os talheres e pratos foram caindo da mesa e quebrando. Um som irritante continuou na sala de jantar.

“Não agüento mais!”

A Yayoi-san com um *HABAN* bateu na mesa

“Sashirono-san—“

A Hikari-san se levantou da sua cadeira e foi em direção a Yayoi-san para acalmá-la, mas ela empurrou de maneira bruta a Hikari-san.

“O que é isso! Parem com isso! Não consigo mais aceitar essa encenação! Que coisa é essa de detetive, de quarto fechado! De cadáver decapitado! Isso não é um livro de mistério!? Tem gente morrendo!? Porque todos conseguem comer enquanto conversam sobre isso!? As cabeças foram cortadas! Não comam o que eu preparei enquanto conversam sobre isso! Vocês são todos loucos por estarem tão calmos assim! Porque estão tranqüilos mesmo sabendo que alguém morreu! Vocês me dão nojo! Desde quando esse é um país onde as pessoas ficam tranqüilas vendo as outras morrerem!?”

“Sashirono-sa—”, a Hikari-san fala estando caída. “Se acalme—”

“Você que é a culpada!” a Yayoi-san grita ainda mais. “Isso é claro! Mais do que óbvio! Você é a única que tinha a chave e você também foi ao quarto da Sonoyama-san de noite, não é? Você a matou nesse momento! Com certeza foi você também que matou a Ibuki-san!”

“Isso não prova nada. Yayoi-san, sem provas você não deve falar algo assim” e eu tento falar da maneira mais fria possível para não excitá-la ainda mais. “Não há nenhuma prova de que a Hikari-san é a culpa—”

“Prova? Eu não ligo a mínima para isso!”

“Mas, a Hikari-san não tem razão para ter feito aquilo.”

“Não tem como entender os sentimentos de um assassino louco que decapita os outros! É algum tipo de ritual, não é!? Não vai chamar algum deus!? Não agüento, não agüento, não agüento mais! O quê? Você se aproxima de mim assim e vai me decapitar também? Não vou deixar.”

“Yayoi-san, se acalme.”

“Eu estou bem calma e pensando corretamente! Vocês é que endoideceram! Vocês são loucos, nojentos, parem com isso, não consigo mais agüentar! O que é isso de vários adultos agirem da mesma maneira! Não dá para conversar com vocês! Que língua é essa? Estão conversando em que língua? Detetive? Quarto fechado? Decapitação? Da onde são essas palavras? Aqui só tem eu de terráquea! Por isso eu vou embora. Não quero mais ficar nessa ilha louca. Não quero mais conversar com vocês!.”

BAN! E a yayoi-san bate mais uma vez na mesa.

“Eu não vou confiar em mais ninguém. Vou ficar trancada no meu quarto. Fazer uma barricada e me proteger lá. Se vão me mandar para o continente me chamem a qualquer hora! Qualquer coisa fora essa eu não ligo! Não se importem mais comigo!”

Depois de dizer isso a Yayoi-san se dirigiu rapidamente para saída da sala de jantar.

A Hikari-san a chamou mais uma vez, Sashirono-san, mas a Yayoi-san não se virou mais. Até que ela sumiu da nossa vista.

“...”

Por um certo tempo um silêncio desagradável continuou.

Até que, “Fazer o que” e a Iria-san encolheu seus ombros e sorriu.

“Ela é uma pessoa educada, mas parecia estar bem encurralada. Mas que coisa...” E continuando dali, “Isso é um problema” a Iria-san disse isso enquanto suspirava. “O Aikawa-san está vindo, então não tem como eu mandar um dos suspeitos embora. —Hikari, essa é sua responsabilidade, então a convença de alguma maneira.”

“... Sim” a Hikari-san assentiu estando de cabeça baixa. “Entendi, ojou-sama.”

“Aah. Mas que desperdício. Akari, consegue cozinhar alguma coisa rapidamente? Realmente, onde que a Teruko foi parar em um momento como esse...”

Como a Iria-san disse, esse foi realmente um desperdício de comida, mas era necessária uma encenação como essa. No fim, não é meu dinheiro e mesmo que digam que não se pode jogar comida fora, não fui eu que fiz isso. Quem fez isso foi a própria Yayoi-san.

Ao meu lado a Kunagisa olhava com pena para os talheres que estavam em pedaços. Não para a comida e sim para os talheres. A cor também era branca e por isso pode ser que ela tenha lembrado do que aconteceu com seus computadores.

“Hey, terceiro catcher.”

“Uni?”, a Kunagisa olha para mim. “O quê foi Ii-chan?”

“Eu já vou indo, por isso conto com você.”

Entendi e a Kunagisa assentiu.

Então eu me levantei e me dirigi para a porta.

Atrás de mim ouvi um som de briga acontecendo. O que eu vi foi a Kunagisa atravessando a mesa e dando um body attack no Shinya-san. Essa foi uma vista meio invejosa para mim, mas por enquanto tenho que agüentar.

Além disso...

Não tem como eu levar a Kunagisa junto comigo.

Com um dos meus olhos fechados eu corri pelo corredor, subi as escadas e quando estava chegando perto do quarto da Yayoi-san, que eu finalmente a vi. A Yayoi-san que estava de costas para a parede parecia estar preocupada.

Ao olhar na minha direção a Yayoi-san soltou um “Ah” como se estivesse mais tranqüila.

“Como foi?”

“Foi uma encenação perfeita.”

“Mais do que uma encenação, mais que a metade foi o que eu pensava mesmo...”, a Yayoi-san caminhava comigo até que ela inclinou sua cabeça e disse. “... Mas, isso é realmente verdade? Que aquela pessoa é a culpada...”

“Até você confirmou, certo?”

“Com certeza o cheiro indicava isso... Mas eu não tenho muita confiança no meu olfato. Não sou um cão.”

“É parecido.”

“Isso não foi um elogio.”

“Sim, a Kanami-san também disse algo parecido, que esse... <Parece com alguma coisa> não é um elogio.”

Bem, mesmo que não fosse a Yayoi-san qualquer mulher se sentiria ofendida se fosse comparada a um cão. Eu me desculpei.

Então, chegamos à frente da porta do quarto da Yayoi-san.

“... Vai fazer o que a partir de agora?”

“Yayoi-san, você já pode voltar para a sala de jantar. Já que é perigoso.”

“... ...Então porque você vai fazer esse algo perigoso?” a Yayoi-san me fez essa pergunta. “Acredito que haja outra maneira. ... Pode ser que eu esteja pensando errado, mas para mim você escolheu a opção mais perigosa dentre todas as que você tinha em mente.”

“...”

“Existem muitas pessoas que morrem por comerem demais e muitas pessoas que morrem de fome, sendo que há um número muito maior dos primeiros do que dos segundos... É algo do tipo? Por sinal você parece mais do segundo tipo.”

“Você está exagerando.”

“Isso não foi um elogio.”

Então até mais, e depois de assentir a Yayoi-san voltou pelo mesmo caminho.

“Perigoso, né...”

Eu sussurrei sozinho. Claro que eu sei disse mais do que ninguém. Como eu aceitei fazer isso tendo em idéias os riscos que eu corro, eu com certeza sou do tipo que morre de fome.

Isso sim é um zaregoto.

Desse jeito eu abri a porta do quarto da Yayoi-san lentamente e com muito cuidado.

No escuro—mesmo sem poder ver nada,

Dou um passo.

E, em um instante.

Hyun.

Som que corta o vento.

Eu entrei no quarto com uma cambalhota frontal. Então, fiquei só com um joelho no chão e abri o olho que estava fechado. Assim consigo ver um pouco como está a situação no quarto.

Essa pessoa fechou a porta atrás de mim.

Consigo ver com clareza o seu rosto e eu confirmo que eu estava correto. O adversário olha com uma expressão surpresa para mim. Mas, isso foi só por um instante e segurando na sua mão direita uma machadinha—machadinha! –Veio na minha direção.

Em silêncio.

O adversário não diz nada.

Fuu. Enquanto eu acalmava minha respiração, eu levantei.

É estranho falar isso quando fui eu que criei essa armadilha, mas faz um bom tempo que eu não me exercito. Não é como se eu fosse ruim nisso, mas nos poucos meses desde que eu voltei para o Japão eu não fiz muita coisa nesse sentido.

O adversário decidiu terminar com isso o mais rápido possível e tomou a iniciativa. Veio na minha direção sem tirar os seus pés do chão. Como a Kunagisa conteu o Shinya-san, se eu conseguir ganhar algum tempo, deve vir alguma ajuda. Não preciso tomar a iniciativa e atacar. Na verdade eu queria fugir, mas como o adversário está de costas para a porta isso é muito difícil.

Por enquanto eu devo me esquivar dos golpes do adversário—o que eu devo fazer é me concentrar nisso. Mas, esse pensamento passivo, esse pensamento típico meu não foi uma boa idéia. Como eu me concentrei demais na machadinha do adversário eu não prestei nenhuma atenção nas pernas.

A machadinha era uma distração e eu levei um chute no tornozelo. E isso deu muito certo. Sem conseguir me proteger eu caí de costas no tapete. Além disso, o adversário segurou meus ombros e se sentou sobre o meu corpo. Em um piscar de olhos eu fiquei numa mount position.

“...”

Isso praticamente já acabou. O que eu deveria ter feito de manhã não era uma caminhada, mas sim uma maratona? Ou eu deveria ter freqüentado um dojo desde que eu voltei ao Japão?

“... Aah...”

Bem, tanto faz. Mesmo que eu seja morto aqui, isso não tem sentido nenhum. Agora a Kunagisa deve estar explicando sobre a verdade e a Yayoi-san deve estar chegando à sala de jantar. Eu perdi a minha disputa, perdi a batalha, mas não é como se tivesse perdido a guerra.

Por isso, assim está bom.

Então com essa machadinha—

Com essa machadinha.

“Morra—”

Uma voz fria, que já ouvi, aquela voz do meu adversário.

Percebo que eu desisti facilmente.

Será que isso é uma sensação?

Porque será? Porque será que eu desisti tão facilmente da minha vida?

Será que eu não quero viver?

Não é que eu queria morrer, não é que eu queira viver. Viver é muito trabalhoso, mas morrer também é.

Será que eu não tenho nada de importante, que eu desejo, que eu quero proteger?

É por isso que eu desisti assim tão facilmente?

“—Não.”

Isso está errado.

Isso é porque se eu morrer aqui, ninguém vai ter problemas. Isso não vai causar problemas para a Kunagisa.

Maki-san.

Você está vendo esse desenvolvimento? Se for, eu a agradeço por não ter me contado sobre isso. Acho que agora entendo porque a Maki-san, mesmo sabendo de tudo, não disse nada.

O momento em que é para eu morrer é o momento em que eu vou morrer.

Ainda não chegou a esse ponto, mas.

Com certeza.

Como a Teruko-san disse é melhor eu morrer uma vez. Realmente, com certeza.

Não é—

Mas, a machadinha não descia. Ela se encontrava erguida, mas parada. Achei estranho e olhei para o adversário. Ele não demonstrava uma expressão de quem queria tirar sarro dos outros e sim uma expressão de quem queria, mas não conseguia descer a machadinha.

“Você realmente não fecha os olhos—”

Tem mais uma pessoa aqui!

É uma voz diferente do meu adversário. Não consigo ver de onde eu estou agora, mas a terceira pessoa está segurando a mão com a machadinha.

Quem é? A Yayoi-san veio me ajudar? Ou foi a Kunagisa que me alcançou? Mas ambas as opções são muito improváveis.

Então a terceira pessoa pegou a machadinha e nesse momento, deu um belo, lindo low kick na barriga desprotegida do adversário. O adversário rolou e bateu no sofá. Só que logo se levantou e ficou de frente a frente com a terceira pessoa.

O meu papel foi rebaixado para um mero espectador.

A terceira pessoa, não sei porque, jogou fora a machadinha. Como ela vai atacar a outra, essa era uma arma perfeita. Não consigo acreditar, mas é algo como sportsmanship? Nessa situação?

O adversário, ao contrário do que fez quando eu era o seu inimigo, não atacou de frente sem muito cuidado. Mas, ele tem um tempo limite. Se ele não terminar logo com isso, pode ser que a Kunagisa termine de explicar e traga os outros aqui.

Mas, a terceira pessoa não cometeu o mesmo erro que eu. Com um TON, ela diminuiu a distância de dois metros entre ela e o adversário com um passo. E com um movimento que parecia vir de algum tipo de artes marciais japonesa, ela deu um soco frontal aproveitando o impulso que ela tinha. Normalmente alguém se esquivaria para trás ou para os lados, mas o adversário se desviou inclinando seu corpo e ao mesmo tempo se dirigiu para o corpo da terceira pessoa. E tentou pegar o pescoço dela. Mas a terceira pessoa nem tentou se mover para se esquivar desse braço e deu mais um soco frontal. Como o adversário estava no meio de seu movimento, ele não teve como se esquivar. E foi um golpe certeiro na altura do coração.

“Guh...”

O adversário soltou um grito de dor. Mas a mão que segura o pescoço continua lá. Sem usar força, o adversário, como se estivesse se movendo em um rio, passou por baixo do braço da terceira pessoa e acertou um chute na região da panturrilha.

O corpo flutua.

Ele provavelmente tem a intenção de usar a força para derrubá-la no chão. Mesmo eu que estou vendo de fora consigo ver que acabou, foi isso que eu havia pensado, mas não acabou assim. Usando o braço do adversário como um eixo, a terceira pessoa, como se estivesse girando por ele, conseguiu se ajeitar e quando os dois corpos caíram no chão ela estava fazendo uma chave de braço. Esse é nem mais nem menos um golpe de judô.

Em um instante.

Consegui ouvir um som fraco de ossos sendo quebrados se espalhando pelo quarto escuro.

A terceira pessoa soltou o braço e se levantou. Em seguida o adversário foi se levantar, mas antes disso acontecer ele levou mais um chute sem dó no braço que deve ter algum osso quebrado. O corpo do adversário voou, passou pelo sofá e caiu do outro lado. GASHARI, e deu para ouvir o som de copos de vidro que estavam sobre a mesa sendo quebrados. Então o corpo do adversário rolou para a parte de cima do outro lado do sofá.

Hyuu e com uma respiração que não apresentava nenhum cansaço a terceira pessoa voltou ao normal.

Acabou.

“...”

Eu fiquei completamente sem palavras.

Até que a terceira pessoa olhou para mim. E sem sorrir disse “Quando for morrer é melhor fechar os olhos”. Eu fiquei de cara e como se estivesse falando sozinho disse “... Não era melhor que um cara como eu morresse?

“Ah, aquilo era—,”

Inclinando o seu pescoço,

“Uma mentira.”

E.

A Teruko-san disse.

Eu balancei de leve minha cabeça e estendi minha mão na direção da Teruko-san. Achei que a probabilidade era de meio a meio, mas a Teruko-san segurou minha mão e me ajudou a levantar.

“—Porque você está aqui?”

“Não há nenhuma razão. Foi só o destino.”

“O que você está dizendo?”

“Não ligue para isso. É só um leve zaregoto.”

Essa também—

Essa também é minha frase.

Fazer o que...

“... Muito obrigado.”

Depois de me ajudar a levantar a Teruko-san soltou sua mão. E então com os mesmos olhos que não possuem foco olhou para a minha direção.

“Não precisa me agradecer. Mais do que isso—”

Pausa de um instante.

“... Tem algo que me incomoda.”

“Sim...?”

A Teruko-san disse algo muito profundo. O que ela quer dizer em momento como esse. Não tenho nem idéia.

Escuro.

Os meus olhos já haviam se acostumado com a escuridão, mas

Mesmo assim não conseguia discernir a expressão da Teruko-san.

Como se fosse meu coração.

Como se fosse o coração dos outros.

“... É uma pergunta de hoje a tarde” a Teruko-san continuava a falar mantendo os seus olhos frios do outro lado do óculos. “... Sei que aquilo era uma metáfora, mas... Aquilo era sobre a Kunagisa-san? Ou era sobre você?”

Uma criança que estava trancada no porão.

Por dez anos sem se comunicar com ninguém.

“...A~.”

Eu.

Eu, sem sentido nenhum, tentei tocar na mão da Teruko-san mais uma vez.

E fui responder a essa pergunta.

Por um instante os dedos se encontraram.

E.

No instante que o dedo se afastou.

Um som que parecia fazer meu tímpano estourar.

Como se uma onda de choque estivesse passando por todo meu corpo.

O corpo da Teruko-san foi caindo na minha direção.

Um ruído surdo.

Eu fiquei como se estivesse abraçando a Teruko-san. A Teruko-san deixou todo seu peso sobre o meu corpo. Eu não tive tempo para aproveitar o corpo que era como esperado leve, macio e quente. Meu olhar estava fixo para o outro lado do sofá.

Se for dizer com mais precisão.

Para ela que se encontra com uma pistola.

Para ela que se encontra de pé.

Meu olhar estava fixo nela.

“...”

De cor preta com uma forma relativamente popular. Eu já vi várias vezes lá. Quem diria que eu acabaria vendo isso nesse país.

Ela tinha um Glock...

Mas porque se trata dela que eu consigo entender porque ela possui aquilo. Mas, porque ela não usou isso até agora? ... Não é nem necessário pensar sobre isso. Mesmo que essa mansão seja grande demais, ela não é grande o suficiente para fazer com que não seja possível escutar o som de um disparo dentre dela. Isso quer dizer que essa é a última carta que ela possui. Pode se dizer que é um ato proibido, um método que não deveria ser utilizado.

Então.

Então como ela a usou, isso quer dizer que é minha vitória. Eu ainda... Tenho uma carta na manga. Pode ser que eu tenha perdido o momento de usá-la, mas agora sim é hora da decisão.

“...XXXXX XXX X XXXXXXXXX—XXX XXXXXX. XXXXXXX...”

Por causa disso, essa á continuação da decisão.

O final da last scene.

“—XXXXX... XXX XXXX, XXXXXXXXX—XXXXXX.”

Voz.

Uma voz que continua.

Então.

A arma é apontada para o meu rosto.

“XXXX XXXXX—“

Ela diz.

“XXXXXX XXXXXX.”

Ela diz alguma coisa.

O que será que ela disse.

Será que por causa do tiro anterior meu tímpano foi destruído e por isso não consigo escutá-la? Não, provavelmente meu tímpano está bem. Só está inutilizável por um tempo. Mas isso quer dizer o mesmo para essa situação. Não acredito que ela vá esperar até minha audição se recuperar.

O que será que ela disse.

Tenho interesse.

Com isso é cheque-mate.

Adeus.

Mas é idiota.

O que você queria fazer?

Morrendo num lugar desses.

Porque você vive?

—As palavras que ela pode dizer para mim são, provavelmente, essas. Não, pode ser que ela não tenha falado nada. Deve ser isso.

Seja como for, palavras que eu não consigo ouvir não tem significado algum.

Assim como não tem significado não transmitir os seus sentimentos através de palavras.

“—...”

Eu—

Eu, completamente sem forças, a via.

Pelos ombros da Teruko-san,

Do outro lado da pistola,

Via ela.

“...A—...”

No fim.

No fim, eu só chego até aqui.

Eu com certeza não acreditava em uma existência que fosse me salvar quando eu estivesse em uma situação de perigo... Eu sabia que isso iria acabar assim. Não queria ter envolvido a Teruko-san, mas dá para dizer que aconteceu conforme o esperado.

O meu objetivo era só um,

Não envolver a Kunagisa.

O resto pouco me importa.

Na verdade tanto faz.

Cansado e desinteressado.

Não há continuação.

Nem como voltar atrás.

Já me esqueci a muito tempo de que eu nasci.

Até parece que eu tenho a sensação de estar vivendo.

A realidade para mim não passa de sinônimos de ilusão e isso com certeza não é antônimo de sonho.

Já.

O cor\po que eu segu\ro da Teru\ko-san. Meu torno\zelo que sen\te dor. Pensamen\to que vai se parali\sando. Os valo\res que vão se destru\indo. I\deais que vão derre\tendo. Morali\dade que vai se despeda\çando. A cabe\ça da Kana\mi-san. A ca\beça da Aka\ne-san. A verda\de sobre o inci\dente. Assa\ssino. Assa\ssino demoní\aco.

Ela que vai sendo cortada.

Isso não tem mais importância nenhuma.

Perdôo tudo.

Por isso.

Aperte o gatilho—

E acabe com isso.

GAKIRI.

O som do gatilho sendo apertado.

Isso eu ouvi inúmeras vezes lá.

Por isso—finalmente—

Aqui.


“Ii-chan!”


O som de uma porta sendo aberta agressivamente.

A luz invade o quarto com vigor e por um momento fico impossibilitado de enxergar. Mas mesmo sem precisar identificar essa figura através da minha vista, consigo dizer quem está ali. Mesmo minha audição que se encontra paralisada consegue ouvir a voz dela.

Mas, isso é.

Algo que não consigo acreditar.

A Kunagisa Tomo está aqui, sozinha, de pé.

Impossível. Não posso acreditar. Eu a deixei no primeiro andar para que isso não acontecesse. A Kunagisa não consegue subir as escadas sozinha e por isso a deixei no primeiro andar—para que ela não pudesse chegar aqui sozinha.

Mas, a Kunagisa com certeza estava aqui, sozinha.

Com lágrimas nos seus olhos.

Com uma expressão exausta.

Sofrendo para respirar.

Segurando seu peito.

Agüentando com todas suas forças o seu corpo.

Ela estava, sozinha, aqui.

“... Isso...”

Espera... Um pouco. Isso não pode ser verdade. Tem que haver alguém junto com ela. Se não houver alguém do lado dela, é impossível que ela tenha subido aquela escada em espiral. Se for um ou dois degraus ainda vai, mas isso é...

Impossível.

Mas,

Mesmo sendo impossível,

Ela conseguiu, sozinha, chegar até aqui...?

Até aqui.

“—Fuh...”

E.

Ela com a pistola.

A apontou para a Kunagisa.

“Ei...!”

O que você está fazendo? Você deve atirar é em—mim. Porque você precisa apontar a pistola para ela? Não há essa necessidade—Ou até mesmo isso, até isso não tem importância? No fim a necessidade, a realidade não passa de algo que existe em um mundo que se move por vontade própria?

Em relação à luz.

Os meus olhos vão se acostumando. O mesmo vale para ela. Ao contrário do meu caso e dela que precisamos nos acostumar com a claridade, a Kunagisa que precisa se acostumar à escuridão ainda não a percebeu. Se acostumar à escuridão demora mais tempo do que se acostumar a claridade. Por isso, se ela atirar agora é impossível que a Kunagisa consiga se esquivar.

Eu tento me levantar.

Mas, mesmo que eu me levante agora, já é tarde demais. Não tem significado. A partir de agora é impossível chegar onde a Kunagisa se encontra. Eu não consigo me mover mais rápido que uma bala. Mesmo que conseguisse, isso não teria significado. Já é tarde demais. Assim como foi há cinco anos atrás, é tarde demais. Como sempre é tarde demais.

Então.

O que eu posso fazer é—

“Ah.”


A Kunagisa estava olhando para mim. Sem nem ao menos prestar atenção para a pistola, a Kunagisa apontou para mim e sorriu alegremente.


“Que bom. Você está bem Ii-chan.”


Esse sorriso.

Esse sorriso que não pede nada em troca.

Esse sorriso triste.

Para a Kunagisa Tomo que não compreende nem um pouco essa situação.

Eu.

Realmente.


“—A amo.”


Sim.

Isso é algo que é mais do que óbvio.

Isso é tão claro, que nem faz sentido pôr em palavras. Entre eu e a Kunagisa palavras como essa são desnecessárias.

Isso é óbvio.

Eu já sabia disso há muito tempo.

Desde que eu a encontrei pela primeira vez,

Eu havia escolhido a Kunagisa Tomo.

Ao ponto de todo resto não ter mais importância.

Eu.

Mesmo que ela não goste de mim, mesmo que ela não me escolha.

“Pare, por favor.”


Eu implorei a ela.


Por um tempo ela não se moveu, até que,

“—Fufu. Fufufu...”

Ela girou a pistola e a apontou para o chão.

E continuou rindo por um tempo.

“Fufufufufu... Fufufufu...”

Como se algo divertido tivesse acontecido.

Ela ria como se estivesse cantando.

Eu deslizei meus pés enquanto me dirigia a Kunagisa e abracei seus ombros. O corpo da Kunagisa estava muito quente. Dá para sentir isso só de imaginar o quanto ela se esforçou para chegar até aqui, só por essa verdade. Eu protegia a Kunagisa enquanto a abraçava e então eu olhei para ela.

Ela estava olhando para nós.

Ela olhava para nós como se nós estivéssemos fazendo amor.

“Tenho muito do que reclamar, mas—”

Então.

Abriu a boca.

“—Bem, só por ter ouvido uma frase tão sincera vinda de alguém como você—Já valeu a pena.”

E.

“Afinal isso é algo que não consegui ouvir na noite passada.”

Ela.

A Sonoyama Akane-san disse isso cinicamente e jogou fora a pistola.

2

“Uwa-, ficou bem inchado Ii-chan.”

A Kunagisa dobrou minhas calças e ficou tocando na região do meu tornozelo. Será que esse cabelo azul não se toca que fazer isso faz minha ferida doer ainda mais? A Hikari-san trouxe um pano não sei da onde e o amarrou. Sinto minha temperatura sendo sugada aos poucos.

Isso é muito bom.

“A Akane-chan era bem forte, né. Bem, fraca é que ela não parecia”, diz a Kunagisa. “Mas, Ii-chan, não sabia?”

“Até parece... Quem iria acreditar que uma dos Sete Tolos do ER3 era tão forte assim... Isso não é um jogo.”

Eu a subestimei completamente. Nem sequer imaginei que ela seria tão forte daquele jeito, nem ao menos que ela teria consigo uma pistola. Quase morri várias vezes, mas dessa vez o perigo foi um dos piores que eu já passei.

“Se a Teruko-san não tivesse me salvado, a situação teria ficado feia.”

“Tome cuidado. O corpo do Ii-chan não é só do Ii-chan.”

“Não sei sobre isso...”

Depois daquilo.

Ocorreu um desenvolvimento muito comum no qual o primeiro passo foi cuidar dos feridos. Naquele momento eu achei que não tinha sido grande coisa, mas com o passar do tempo aquele chute começou a mostrar seus estragos e por isso estou sendo tratado agora no quarto da Kunagisa.

“Bateu as costas também, não é... Não está doendo ainda?” e perguntou a Hikari-san. “Tome cuidado. A Akane-san durante o colegial era do clube de karate, sabia?”

“Acho que já ouvi isso em algum lugar...”

“Ela até já participou de torneios nacionais.”

Diga isso antes.

“Hah. Mas parece que ela só ganhou cinco lutas.”

“Se ganhar cinco lutas no nacional, você praticamente é campeão.”

Por sinal, os ferimentos da Akane-san foram, a princípio, os ossos quebrados do braço direito. E, além disso, ela já estava com quatro ossos quebrados depois do primeiro chute. Isso já chega a ser um ferimento grave e com certeza deu um belo damage nela. Mesmo assim, ela conseguiu se mover daquele jeito depois.

No momento ela se encontra junto com a Akari-san e a Teruko-san cuidando desses ferimentos.

E por último a Teruko-san. Quando seu pescoço foi agarrado, as unhas da Akane-san perfuraram um pouco de sua pele e saiu um pouco de sangue, mas fora isso ela não teve mais nenhum ferimento. Em relação ao tiro eu tinha certeza de que ela havia sido baleada, mas isso não aconteceu. Achei que tivesse caído na minha direção por ter levado um tiro, mas foi exatamente pelo contrário. Foi uma reação dela ao ouvir o som do gatilho.

Ela é uma das Charlie’s Angels, é?

E depois disso, ela ainda fingiu estar morta.

“Ah, isso está um pouco errado” a Hikari-san defendeu sua irmã mais nova. “A Teruko devia ter a intenção de agir como seu escudo.”

“Escudo...?” com certeza parecia algo assim. “Então quer dizer que ela se sacrificou para me proteger?”

“Não, não é como se fosse um sacrifício. O avental da Teruko é a prova de balas.”

“A prova de balas—”

Não era um anjo e sim uma empregada de batalha.

Aonde foi parar a realidade.

“O lado interior do forro é feito de spectra. Ao contrário do kevlar, o spectra consegue agüentar alguns tiros e ainda assim manter seu efeito defensivo. Além de ser leve e não esquentar. A Teruko é invencível em curto alcance e por isso ela toma cuidado com sua defesa a longo alcance. Esse avental, olha, a saia é longa, certo? Ele é útil porque também parece com um hakama de aikido.”

“...” achei que era um piada, mas ao ver a expressão da Hikari-san fiquei sem conseguir decidir se era mesmo ou não. Achei melhor ignorar isso. “... Mesmo assim, porque a Teruko-san é tão forte assim? Por acaso a Hikari-san também é forte daquele jeito?”

Enquanto eu me movia um pouco para trás eu perguntei.

“Não..., a Teruko é essencialmente a SP da ojou-sama. A função dela é completamente diferente da nossa. Olha, você nunca viu a Teruko fazendo o mesmo trabalho que nós, não é?”

Por falar nisso, quem estava sempre trabalhando era a Hikari-san e a Akari-san. Para quem já possui experiência no programa ER isso foi uma grande falha. Com certeza, ao ouvir isso...

“Mas, fico surpresa por ter sido salvo... Dá para perceber por fora, mas ela é bem fria. Salvar ainda consigo entender, mas até oferecer o seu próprio corpo para proteger... É um fenômeno que não consigo pensar usando o senso comum.”

“Isso é. Porque isso?”

“Não sei. Ela age conforme os caprichos dela.”

Só tem pessoa desse tipo aqui.

Mas, não é como se não desse para entender. Eu ainda não consigo dizer que tipo de pessoa é a Teruko-san, mas se para mim ela era aquilo, com certeza eu era para ela o mesmo.

A Teruko-san,

Só queria simplesmente,

Perguntar.

“Só que isso é um zaregoto...”

... Por falar nisso, hoje de tarde quando a Teruko-san segurou o meu braço eu senti uma força enorme, então aquilo era uma pista.

“Está tudo bem com as costas, não é..., com a cintura também. Não bateu a cabeça? Então acabou.”

Depois de dizer isso a Hikari-san se aproximou do meu corpo e começou a massagear os meus ombros. Isso parece o paraíso.

“Então vamos voltar à sala de jantar.”

É o inferno.

É mesmo. Na sala de jantar todo o resto está esperando pela chegada minha e da Kunagisa.

Não consigo acreditar.

Algo assustador.

“Tomo, vai sozinha. Os meus ferimentos são mais graves do que imaginava. Não acho que consigo andar.”

“Tanto faz, mas, Ii-chan, essa é uma chance para mostrar seu lado bom para a Akari-chan. Se conseguir é claro.”

“...”

“Ara, se interessa pela Akari? Pelo que eu saiba ela gosta de pessoas inteligentes.”

Tanto a Kunagisa como a Hikari-san dão essas idéias aparentando estar muito alegres. Vocês duas são garotas de colegial, é?

“... Tomo você sabe que eu sou péssimo nisso. Ao invés de explicar tudo certinho é melhor que eles pensem por si próprios.”

“Ii-chan não fez isso lá? Dar aula e coisa do tipo. Aquilo lá, presentation.”

“Fiz, mas toda vez era um inferno. Toda vez reclamavam com <Você enrola muito no que você quer dizer> ou <É muito impessoal> ou <Não tenho interesse nos seus problemas>. ...Ah, entendi. É só fazer, não é?”

A Kunagisa sorriu ambiguamente ao ver minha reação.

“Não pode assim, vão brigar com você. Desse tipo. Esse tipo de coisa tem que fazer de um jeito mais alegre. Embora isso seja impossível pro Ii-chan. Então vamos Ii-chan. Mas antes disso amarra meu cabelo.”

“Hm? Não gostou desse?”

“Parece que meu cabelo está sendo puxado. Gosto mais de uma ou duas mesmo.”

“Fun. Está bom assim, mas...”

“Tomo-san, quer que eu faça?”

Uun e a Kunagisa balançou sua cabeça.

“Quem tem o papel de amarrar o cabelo da Bokusama-chan é o Ii-chan.”

Sim, sim, e eu começo o trabalho de desamarrar o cabelo da Kunagisa. E então.

E então as preparações foram completas.

“Então... Vamos indo.”

A porta do inferno, lentamente, se abriu. Os meus passos estavam pesados, mas não por causa dos ferimentos.

“É um zaregoto mesmo...”

Enquanto sussurrava isso chegamos à sala de jantar. Tirando a Sonoyama Akane-san que estava ferida gravemente, todos os outros estavam reunidos.

Claro que incluindo o Shinya-san.

O Shinya-san estava olhando para nós aparentando estar mais tranqüilo, como se já tivesse desistido, como se um peso muito grande tivesse sido tirado de suas costas.

A Maki-san me viu e sorriu maleficamente. Pensei que ela iria tirar sarro de mim, mas ela acabou não falando nada.

A mesa está cheia, já que enquanto eu estava sendo tratado a Yayoi-san preparou novos pratos. Porque talvez ela já se sinta mais calma, a refeição agora parece ainda mais chique do que a anterior.

A Akari-san ainda se sentindo inconfortável comigo, desviava seu olhar de mim. O pescoço da Teruko-san estava enfaixado.

A Rei-san estava quieta observando a tudo.

E a <mestre> Akagami Iria-san.

Com um olhar desafiador, ela olhava para mim.

“Então o que acha de começar” a Iria-san disse isso na minha direção quando eu sentei. “O que exatamente aconteceu?”

“Vou explicar. A Sonoyama Akane-san que é uma das Sete Tolas do ER3 é a culpada e o acompanhante da Ibuki Kanami-san, o Sakaki Shinya, é o seu cúmplice.”

Silêncio.

“... E?”

“Já acabei.”

“Espere 30 minutos.”

A Iria-san pede algo impossível.

“Primeiramente quero que me explique porque a Sonoyama-san estava naquele lugar.”

“Isso é simples. A Yayoi-san saiu da sala de jantar, certo? Tendo isso em mente a Akane-san decidiu aproveitar essa chance para matá-la e por isso que ela estava no quarto dela.”

Era para eu derrotá-la, mas fui eu que acabou sendo derrotado e a Teruko-san me salvou. E no final acabei dependendo da boa vontade da Akane-san.

Aquela machadinha que a Akane-san usou para me atacar.

Com certeza foi com ela que a Akane-san cortou os pescoços.

“Agradeço a Teruko-san.”

“Não, não é isso... Você sabe, não é? A Sonoyama-san não tinha sido morta? Naquele quarto fechado do armazém.”

“Como você viu antes, ela ainda está viva” e eu encolho meus ombros. “Desde que ela não possua uma irmã gêmea é possível deduzir que ela é a Akane-san.”

“Então, aquele cadáver do armazém é?”

“Se a Akane-san está viva, isso quer dizer que aquele não é o cadáver dela. Isso é—lógico.”

“É o cadáver de outra pessoa?”

“Se há um cadáver decapitado duvide de troca de corpos. Esse é um dos temas clássicos de livros de mistério, certo? O favorito da Iria-san, aquele detetive, com certeza disse a mesma coisa.”

A Iria-san inclina seu pescoço como se não tivesse entendido.

“Bem, espere um pouco. Deixe-me pensar” pelo menos parece que ela quer pensar por si própria. Fiquei um pouco admirado com isso. “Hmmm...”

“Então eu posso fazer uma pergunta minha?” e o Shinya-san ergue a sua mão. “Tenho uma pergunta para você.”

À vontade e eu assinto. Eu achei que ele iria perguntar algo como: quando você descobriu a verdade desse incidente ou como você descobriu o culpado, mas o que o Shinya-san disse foi completamente diferente.

“O seu pé já está melhor?”

“... Sim. Só está inchado.”

“Fuun. Ela não quebrou...” ele sorriu meio sem jeito e olhou para o chão. “Ou ela não conseguiu... Não é típico dela... Não, acho dá pra dizer que é típico dela...”

Eu não consegui entender o significado dessa fala do Shinya-san.

Até que a Iria-san disse “Não sei” como se tivesse desistido.

“Eu realmente não entendo. Houve realmente uma troca de corpos?”

“Sim, houve uma troca. O computador da Kunagisa foi destruído, certo? Esse foi o terceiro incidente. Aquilo era algo que ninguém poderia ter feito. Literalmente ninguém. Todos eram álibis de todos e cúmplices estão completamente fora de questão. Todos estavam desconfiando de todos. Ninguém poderia ter feito. Ninguém daquele lugar poderia ter feito. Então só podia ser alguém que não estava naquele lugar. Esse é o pensamento lógico.”

“Até aí eu entendo” e diz a Iria-san. “Não precisa frisar tanto esse <lógico>. Que pessoa desagradável... Mas então, de quem era aquele cadáver do armazém? Aqui estão todos reunidos, não é? Não há ninguém que possa ter trocado de lugar com a Sonoyama-san. Não é estranho?”

“Bem, se for dizer que é estranho com certeza é...” em relação à pergunta da Iria-san eu decidi dar um exemplo simples. “Conhece esse quiz? Mais do que um quiz, é um truque ou uma enganação, mas—”

Tirei do bolso aquela folha com os álibis e virei para a parte de trás dela. Desenhei um grande retângulo e dentro dele coloquei nove linhas. Isso quer dizer que foram formados dez pequenos retângulos.

“O que é isso?” e a Iria-san pergunta. “Isso possui alguma relação?”

“Pense em um telephone box. São dez telephone boxes. Vamos tentar colocar onze pessoas nele.”

“O que é telephone box?”

“... Ah, não. É apenas uma caixa. Pode ser quarto também.”

“Dez quartos, então?”

Sim e eu assinto.

Por sinal eu adquiri esse conhecimento quando eu era shougakkusei[1]através de um livro na livraria que eu li sem comprar.

“Então, a pessoa A decidi entrar no primeiro box. Só que antes dele outra pessoa entra.” Eu marco o primeiro box com um X. “E a terceira pessoa.” E marco com um X o box seguinte. “Quarta pessoa” e marco com um X o box seguinte. “Quinta, sexta, sétima, oitava pessoa. Nona. Décima pessoa. Com isso dez pessoas estão dentro. Só que há um box sobrando. Vamos colocar a pessoa A que ficou de fora nele.”

E marco um X no último box.

“Com isso onze pessoas entraram em dez boxes. Entendeu?”

“Mas que idiota” e diz a Iria-san. “A primeira pessoa não entrou em nenhum box. Por causa disso está tudo fora de ordem.”

“Sim. É isso mesmo. Se pensar um pouco dá para entender esse truque simples. Se fizer isso com um bom ritmo pode ser que seja difícil perceber...”

“É possível perceber.”

“Não. Nós não percebemos isso.”

“... Não estou entendendo o que você está falando. E, além disso, o assunto está mudando de foco. O que eu quero saber é de quem é aquele cadáver que estava no armazém. Todos estão reunidos aqui. Não importa como está faltando uma. Ou vai me dizer que há uma décima terceira pessoa nessa ilha?”

“Isso é impossível. Existem doze pessoas nessa ilha. Essa é a premissa absoluta, não tem como mudá-la.”

“Então aquilo era quem?”

“Agora as pessoas vivas nessa mansão são onze. Akagami Iria-san, Chiga Akari-san, Chiga Hikari-san, Chiga Teruko-san, Handa Rei-san, Himena Maki-san, Sashirono Yayoi-san, Kunagisa Tomo. Sakaki Shinya-san e a Sonoyama Akane-san. E eu. Então a resposta é óbvia.”

Depois de dar uma pausa.

“É a Ibuki Kanami-san.”

3

“O cadáver que estava dentro do saco de dormir mesmo enterrado não ficaria sujo. O Shinya-san, depois que nós voltamos para a mansão, desenterrou a Kanami-san. E a carregando foi até aquela janela do armazém. Pelo lado de fora claro. Ele bateu na janela. Por dentro a Akane-san abriu a janela. Ele jogou o cadáver ali dentro. E ocorre a troca de corpos. Isso quer dizer que foi isso, apenas isso.”

Eu expliquei isso maneira simples enquanto averiguava a reação de cada um—em especial a do Shinya-san.

“Achei estranho mesmo. Quando fomos enterrar a Kanami-san o Shinya-san trouxe consigo um saco de dormir como se fosse a coisa mais comum do mundo. Era um caixão. Mas, espera um pouco. Porque ele possui um saco de dormir? Se ainda fosse um acampamento dava para aceitar, mas há nenhuma necessidade de alguém que foi convidado para um mansão trazer algo do gênero. Então, já havia algo assim na mansão? Eu achei que era isso. Que a Iria-san tinha disponibilizado aquilo para o enterro. Uma mansão desse nível possuir um saco de dormir, quando os convidados dormem em camas com dossel, uma mansão que pode disponibilizar um saco de dormir é bem estranho, mas não é impossível de se aceitar. Por isso, acabei aceitando. Mas quando o segundo cadáver surgiu, o cadáver da Akane-san—na verdade o da Kanami-san—surgiu, a Hikari-san trouxe uma maca consigo. Há alguma razão para não disponibilizar um saco de dormir para o segundo cadáver, quando foi disponibilizado para o primeiro? Claro que não. E se houvesse, a Hikari-san teria dito para mim. Então a premissa está errada. Não há saco de dormir nessa mansão. Então, isso quer dizer que aquele saco de dormir foi trazido pelo Shinya-san. Não é um acampamento. Como se, fosse necessário um caixão para não sujar o cadáver, esse fosse o objetivo desde o começo.”

“O cadáver decapitado foi... Reusado?”

“Sim. Exatamente isso. A Akane-san e o Shinya-san criaram um ilusório novo cadáver a partir do cadáver da Kanami-san. Foi somente isso.”

“Mas havia manchas de sangue no armazém” e diz a Iria-san. “Se aquele era o cadáver do dia anterior, não havia como ter sangue...”

“Não tem como provar que aquela mancha de sangue seja da Akane-san. Talvez a polícia conseguisse. Mas, se a polícia viesse aqui esse incidente não ocorreria. A polícia não foi chamada. Isso é possível de se imaginar. A Iria-san possui uma razão que a impede de chamar a polícia, a proíbe de chamar a polícia. É possível prever que a polícia não vai ser chamada mesmo que um incidente como esse aconteça. Aquela mancha de sangue poderia ser de sangue próprio para transfusões como sangue de algum animal. É necessário perguntar isso para a Akane-san ou o Shinya-san para confirmar.”

Mas em relação a minha pergunta o Shinya-san se manteve em silêncio e não respondeu nada. Sem ligar para isso eu continuei. “Da mesma maneira, se a polícia estivesse aqui seria possível saber que o cadáver era o mesmo do dia anterior. Mas nós não somos especialistas. Só sabemos se está vivo ou morto. Claro que passados dez dias é possível distinguir e se for no meio do verão, como a decomposição é mais rápida, também daria, mas agora não é essa época. É a estação onde as folhas de cerejeiras caem.”

“... Isso quer dizer que trocaram a roupa do cadáver?”

“Sim. A Hikari-san foi chamada no meio da noite para que fosse possível saber que roupa a Akane-san estava usando antes de ser morta. Quando a Hikari-san foi ao armazém, o cadáver da Kanami-san já estava lá. Aquela porta é de estilo ocidental e como ela é aberta para o lado de dentro é simples escondê-la em algum canto. Se ela for buscar, não há necessidade da Hikari-san entrar no quarto. Provavelmente esse foi o momento mais importante. Se a Akane-san realizou algum ato que <a colocou em risco>, seria somente nesse momento. Mas, era necessário correr esse risco. Como eu disse antes, era necessário trocar de roupa para mostrar que o cadáver da Kanami-san era a Akane-san. E com isso o horário do crime foi limitado para que o cúmplice, que era o Shinya-san, conseguisse construir algum álibi.”

Naquela noite o Shinya-san estava bebendo com a Maki-san. A Maki-san foi quem o convidou, mas se não fosse por isso ele teria feito o mesmo. Pode ser que quem fosse o acompanhar não era a Maki-san, mas nós. Já não adianta mais falar sobre o que já passou.

“O computador da Kunagisa foi destruído por essa razão. No computador da Kunagisa haviam as fotos tiradas da câmera digital. Fotos do cadáver da Kanami-san. Se comparar o cadáver da Akane-san com o da Kanami-san seria possível perceber que eles são o mesmo.”

“E na realidade eram mesmo” e diz a Kunagisa. “Tinha ficado interessada. Na mão, ou melhor, nos dedos. Mas é claro. As digitais dos dedos da Kanami-chan e da Akane-chan eram iguais, né.”

E a Kunagisa suspira. Parece que ela se sentiu chocada por não ter percebido isso antes. Todos podem estar achando que a Kunagisa está brincando, mas eu sei muito bem que isso é verdade.

Realmente.

“Mas, porque razão ela fez isso...”

“Há possibilidades demais em relação a isso. Mas eu acredito que seja para apagar a existência dela. Pelo fato da Akane-san ter usado o mesmo cadáver duas vezes, ela conseguiu criar uma <décima terceira pessoa> ilusória e assim apagar a sua existência. Há lugares demais para se esconder. Essa mansão é gigante e existem vários quartos não trancados. E até fora da mansão isso é possível.”

“Porque seria necessário apagar sua existência?”

“Não é nem necessário pensar. Nem precisa pensar. Se você for uma vítima, for morta, você não vai mais chamar a atenção. Como se fosse uma pessoa invisível, os seus pensamentos e ações ficam completamente fora da gaiola. Assim... Por exemplo, destruir o computador da Kunagisa seria fácil e sim, matar mais alguém também seria tranqüilo. É necessário perguntar para o Shinya-san ou para a Akane-san a—”

“Queríamos matar a todos.”

Agora o Shinya-san respondeu.

Com um jeito de falar frio, como se tivesse desistido de tudo.

Um jeito de falar sem força nenhuma.

“Matar a todos que estão aqui. Mas para isso era necessário sair do círculo. Já que era possível prever que em algum momento times seriam criados ou todos ficariam em um mesmo lugar e assim seria difícil agir. Por isso era necessário sair.”

E do lado de fora eles planejavam matar as presas mais fáceis em ordem. O Shinya-san sorri sem forças com um kuhaha. “Aquela Akane conseguiu mesmo sair. Mas não achei que ela não conseguiria matar mais ninguém. Achei que pelo menos metade seria possível...”

“Shinya-san, quer continuar explicando?”

“Não...”, sem forças o Shinya-san balança sua cabeça. “Conto com você. Esse é o seu papel. É o seu trabalho.”

Eu assenti em silêncio. “Continuando. Sobre o primeiro quarto fechado não há mais necessidade de explicações. Aquilo foi só uma distração. Somente para conseguir tempo o suficiente até o segundo incidente. Aquilo foi mais do que algo premeditado, foi uma aplicação da Lei dos Grandes números. O terremoto aconteceu e ela pensou nisso. Ela já havia pensado em matá-la, mas o plano ainda não estava definido e por causa do terremoto que o plano surgiu. Se for isso, essa idéia surgiu muito rapidamente. Só tenho a ficar admirado com isso. Um terremoto aconteceu. E o Shinya-san ligou. Mas quem estava do outro lado da linha não era a Kanami-san e sim a Akane-san. E a Akane-san matou a Kanami-san. O Shinya-san disse que a Kanami-san havia dito que <tinta havia caído>, mas isso era um truque. Era uma desculpa, uma maneira vaga de dizer para que ele pudesse ter uma desculpa quando o truque fosse desvendado. Eu também fui enganado.”

Kuku e o Shinya-san ri.

“Isso foi uma mera coincidência.”

“Será? Mas isso teve uma diferença significativa... Eu não tenho mais nada a dizer sobre isso. De qualquer jeito a Akane-san matou a Kanami-san. E depois criou o quarto fechado. Ela espalhou a tinta de propósito.”

“Então não foi um erro dizer que a Sonoyama-san era a culpada sobre aquele assassinato, não é?”

“Isso mesmo Iria-san. Se a possibilidade é alta isso quer dizer no fim que a possibilidade é alta. Mas, isso quer dizer somente isso. Como a Akane-san criou o quarto fechado não era possível afirmar isso. Claro que o quarto fechado tinha esse propósito. Para que ela fosse uma das principais suspeitas, mas <mesmo que ela fosse suspeita, não seria possível afirmar que ela era a culpada>, para criar isso que a Akane-san criou o quarto fechado. E foi confinada no armazém...”

Quem deu essa idéia com certeza fui eu. Mas mesmo que eu não tivesse dado essa idéia, era só o Shinya-san fazer isso. O número de quartos com chaves são limitados e por isso fica fácil de prever onde esses lugares se encontram e havia tempo o suficiente para conhecer a mansão. Sobre esse aspecto é possível deduzir dessa maneira, mas mesmo que eu faça isso, enquanto eu não tiver a intenção de falar isso para eles fica difícil saber qual é a verdade.

Por falar nisso, eu acredito que aquela grande briga que ocorreu no jantar anterior a tudo isso foi também algo premeditado pela Akane-san. A Akane-san escolheu ficar em uma posição perigosa como aquela.

Já pensando no futuro.

A única que não possuía álibi era a Akane-san (na verdade a Rei-san também) o que não sei se foi sorte ou algo já planejado, isso eu não tenho idéia. Mas, acredito que isso seja uma coincidência.

Acho.

“E ali ela trocou com o cadáver da Kanami-san, certo?” e a Iria-san disse. “No meio da noite ela mostrou que ainda estava viva para a Hikari-san, vestiu a Kanami-san com suas roupas e saiu... Depois disso, ela ficou escondida em alguma da mansão. No jantar de agora pouco, ela acabou ouvindo a Sashirono-san histérica. E também que ela iria se trancar em seu quarto. Por isso ela se adiantou e ficou esperando no quarto dela. Afinal não tem chave nele. E acabou sendo derrotada... Fun. O fato da Sashirono-san ter ficado histérica, ter acusado a Hikari-san foi tudo uma armadilha sua, não é?”

“Sim” e eu assinto. “Se procurássemos ela por toda a mansão seria possível encontrá-la, mas como ela é grande demais, achei que seria muito trabalhoso. Por isso criei essa armadilha. No fim, acabou sendo meio perigoso, mas...”

“O fato de que você consegue dizer que foi meio perigoso é um dos seus pontos fortes.”

Por um instante fiquei sem entender quem havia dito isso, mas parece que foi a Maki-san. Essa é a primeira vez que ela me elogiou sem nenhuma ironia. Eu fiquei, só um pouco, feliz.

“... Mas, espera um momento.”

A Iria-san colocou sua mão em sua cabeça. Depois de um tempo ela disse “Ainda tem algo que me incomoda”.

“Aonde será que é... Tem algum fato que está estranho.”

“Isso é provavelmente como a Akane-san conseguiu sair do armazém, não é?”

“Sim, é isso!” e a Iria-san bate suas mãos. “É isso. Isso não foi explicado. O Shinya-san a ergueu? Quando ela trocou com o cadáver?”

“Não. O Shinya-san só ficou fora da mansão quando foi enterrar o cadáver da Kanami-san na montanha. Nessa hora ele deve ter levado o cadáver no armazém, mas não a ajudou a sair. Afinal a Hikari-san viu a Akane-san às duas da manhã. E durante a noite o Shinya-san possuía um álibi. Por isso não havia como o Shinya-san ter ajudado. Isso é certeza.”

“Então, o Shinya-san também levou alguma escada de corda?”

“Também não. Se isso tivesse sido usado, alguma marca teria ficado e mesmo que uma corda muito longa tivesse sido utilizada a Hikari-san viu a janela fechada às duas horas da manhã. Afinal não é possível que a Akane-san amarre a corda pelo lado de dentro do armazém. Seria necessário um cúmplice, mas como eu disse antes o Shinya-san que é o cúmplice estava junto com a Maki-san criando um álibi.”

“Então, não é impossível?” a Iria-san diz isso como se não tivesse gostado. “Minha cabeça já está confusa demais. Parece que vou ficar com cianose.”

“Isso provavelmente é neurose.”

“Isso você explica, não é?” e a Iria-san sorri. “E então? Claro que você já sabe, não é?”

Sim e eu assinto.

“Presa em um lugar onde a chave é usada pelo lado de fora da porta, tendo uma janela a uma grande altura, podendo abrir a janela à vontade e querendo sair por ela. O que a Iria-san faria em uma situação como essa?”

“Não consigo imaginar uma situação dessas.”

Uma resposta típica de ojou-sama.

“Então, Akari-san. O que faria?”

Como eu já havia explicado para a Hikari-san e para a Yayoi-san eu decidi perguntar para a Akari-san. Poderia ter feito isso para a Teruko-san, Rei-san ou para a Maki-san, como ela é do meu tipo e como o clima entre nós está ruim desde manhã eu queria dar um jeito nisso.

“Se fosse eu... É mesmo. Ergueria meus braços e pularia.”

“Certo. Mas mesmo pulando não alcançaria.”

“É só pensar naquele armazém, certo? Considerando que eu estaria presa lá... Se mesmo pulando não daria, então eu usaria uma cadeira. E faria o mesmo.”

“Mas ainda assim não alcançaria.”

“Então é simples” e a Akari-san faz uma expressão forçada de como tivesse bancando o idiota. “Desistiria”.

“Se for assim a conversa não vai continuar.”

“Mas já acabou, certo?”

Umu, mas que fria. Mais do que um clima ruim, será que ela realmente não me odeia? Bem, tanto faz. Eu decidi trocar de canal.

“Agora a Akari-san disse que iria usar uma cadeira. Qualquer um faria isso. Assim como um macaco faria para pegar uma banana pendurada a uma boa altura.”

“Você quer dizer que eu sou uma macaca!” a Akari-san grita com o rosto vermelho. “Mas que rude! Você não tem nem um pouco de delicadeza! O que você quer me deixando brava!”

Errei.

Parece eu troquei o canal no sentido errado.

“Não queria dizer isso. E não precisa ficar tão brava assim. Macacos são bonitinhos, não?”

“É a primeira vez desde que eu nasci que fui tão humilhada assim” e com um, pui, a Akari-san virou seu rosto. “Não quero mais saber de você.”

“...”

Com certeza ela me odeia. Foi um choque. Que <Se conseguir é claro>, Kunagisa. Deu o efeito exatamente contrário.

“Bem... Complicou um pouco. De qualquer jeito, subir na cadeira. Qualquer um faria isso. Mas não alcança. Pula com os braços erguidos. Mas não alcança. Então o que fazer? É simples. É só subir em uma cadeira ainda mais alta.”

“Naquele quarto só havia uma cadeira.”

“Cadeira é só uma maneira de dizer. Pode ser qualquer coisa que pareça com uma cadeira. Então, o que mais havia naquele quarto?”

“Mais nada. Livros? Ou o cobertor? Lâmpada de mesa...”

“Havia algo a mais, não é? Nós vimos isso com clareza. Não é exagero dizer que só vimos isso.”

Todos ficam em silêncio. Pode ser que tenham percebido ou não. Seja qual for, a reação é a mesma.

Quem respondeu foi a Iria-san.

“... O cadáver da Ibuki-san.”

Sim e eu confirmo.

Seria necessário falar mais alguma coisa?

“... A dureza de um cadáver atinge seu pico depois de 24 horas. Bem, claro que não é exatamente isso. Duas da manhã. Mesmo tendo uma diferença de tempo, foi mais ou menos por esse horário que a Kanami-san foi morta. O cadáver deveria estar bem endurecido. Deve ter sido difícil vestir a roupa nele, mas o fato dele estar duro tinha seus méritos. É aquilo lá, tudo tem suas vantagens e desvantagens.”

“Ser difícil... Aquilo era um terno. Tem como vestir isso em um cadáver endurecido? É possível pelas articulações, mas—”

“Então era só ter dois ternos iguais. Só basta vestir quando o endurecimento ainda não está no seu pico. O vestido tirado estava provavelmente escondido atrás da porta” e eu continuo sem pausar. “A razão pela qual eu cheguei nisso foi porque os pescoços haviam sido cortados. Claro que isso seria para fazer o cadáver da Kanami-san ter dois papéis. Afinal o rosto seria um problema. Mas, eu acredito que havia mais uma razão. Provavelmente ela foi a única a cortar o pescoço tendo uma idéia dessas. Sim, para deixar a altura dos ombros como uma superfície plana.”

“... Porque se não for assim, se não for plano, não tem como usar como um suporte...? Porque não seria estável como um suporte...?”, a Akari-san perguntou isso fracamente como se estivesse temendo, ou melhor, quisesse uma resposta negativa. “Você quer dizer que é isso...?”

“Sim” eu assenti levemente. “Mais do que um suporte, seria melhor dizer que seria um degrau de escada. Primeiro coloca a cadeira e do lado o corpo da Kanami-san de pé. Pode ser um pouco inclinado em direção a janela. E assim, usando a cadeira como um primeiro degrau e o ombro da Kanami-san como segundo degrau, ela pulava. Hop, step and jump. E erguendo seus braços, ela alcançaria a janela.”

Como a Kanami-san estava sempre sentada eu não sei exatamente qual é a altura dela. Mas, tendo em mente que seu cadáver foi reusado uma segunda vez, sua altura deve ser quase a mesma da Akane-san. A Akane-san que com certeza não é baixa. Mesmo tirando a cabeça, daria um metro e meio. E somando a isso a altura da Akane-san daria três metros. Mais os braços erguidos. E um pulo. Se conseguir alcançar a janela só falta subir. O cadáver da Kanami-san deve cair depois do pulo, mas é melhor assim. Já que poderia ser que percebessem que era um suporte.

A razão pela qual o cadáver teve o pescoço cortado pela sua base era essa.

“Tem com dar certo? Algo assim...”

“Não faz mal dar errado. Afinal ela pode tentar quantas vezes quiser. Na realidade, ela não deve ter sucedido nas primeiras tentativas. Mas no fim ela conseguiu. O cadáver caído da Kanami-san. Ela provavelmente gostaria de ter fechado a janela, mas como só dá para fazer isso por dentro, ela desistiu. Quando no dia seguinte nós vimos o cadáver da Akane-san—que na verdade era o da Kanami-san já havia passado do pico do endurecimento e por isso estava mais mole. Como não sou um especialista não tenho como garantir isso.”

“Isso—”, a Akari-san estava pálida. Era como a Akari-san que estava exaltada hoje de manhã. Como se estivesse brava, não, como se estivesse em desespero. “É muito cruel. Cruel demais. Não consigo perdoar algo assim. Matar alguém, cortar o pescoço, enterrar e desenterrar, além disso, fingir que esse cadáver era de outra pessoa, isso já é muito cruel—e ainda o usam no lugar de uma cadeira, de uma escada, de um suporte? Até parece que posso perdoar alg—”

“<É difícil sentar em uma pessoa viva. Ficar por 30 minutos então é praticamente impossível. Mas, não é difícil sentar em um cadáver>—” quem falou isso como se estivesse recitando algo era o Shinya-san. “—São palavras do Oe Kenzaburo. Não conhece, Akari-san?”

A Akari-san com um rosto pálido, cheio de ódio, balança sua cabeça. Está com medo como um pequeno animal. Com medo a ponto de querer negar o mundo real.

Eu não consegui evitar de suspirar.

Um cadáver não passa de um recipiente, ali não há mais sentido, personalidade, alma nem nada, não há como haver vontade, desejo, sim, é apenas um <objeto>. Não tem como o dono reclamar e mesmo que quisesse fazer isso, ele já não está mais nesse lugar.

É um cadáver decapitado.

Foi reusado como se fosse outro cadáver.

É um cadáver decapitado.

Foi usado como um degrau.

E o que isso tem de mais?

Morrer é o fim. Se não viver, não tem começo. Isso quer dizer simplesmente isso. Cada pessoa pensa de uma maneira diferente e isso é algo pessoal, mas por ser pessoal que não dá o direito de querer reclamar do que os outros acham.

Eu suspiro mais uma vez.

“—É isso Iria-san. É muito trabalhoso ficar explicando sobre os detalhes, então pense por si mesma. O resto deve dar para explicar de alguma maneira ou outra. Não sou uma boa pessoa o suficiente para explicar até aí. Crie razões que a satisfaçam.”

“Detalhes...” e diz a Iria-san. “Mas, e o motivo? Não acredito que isso seja um detalhe.”

“Isso é necessário perguntar para eles.”

Depois de dizer já não sei quantas vezes a mesma frase, eu olhei para o Shinya-san. Todos fizeram o mesmo. Quando Shinya-san decidiu responder como se não tivesse mais jeito, ouvi atrás de mim “Shinya, não precisa responder isso”.

Ao me virar,

Na entrada da sala de jantar,

Estava a Akane-san.

Ela deveria estar descansando em algum quarto.

Desde quando ela está ali?

A partir de onde ela ouviu meu zaregoto?

A Akane-san, com seu braço apoiado em uma tala, ainda demonstrava uma expressão de vitoriosa, como se tivesse nos menosprezando, olhando por cima, ela desse jeito observava para todos que estavam na mesa redonda.

“Akane-san...”

Sonoyama Akane, uma das Sete Tolas do sistema ER3.

A Akane-san que disse que não reclamaria do lugar, de quem, da maneira, por qual razão ela seria morta. Mas isso não quer dizer que ela aprova assassinatos não importa o lugar, quem, de que maneira, por quaisquer razões, isso seja realizado...?

A Akane-san riu com um “Ha...”

“Motivo? Querem saber o motivo? Realmente inútil. Isso, nesse vasto mundo, não possui nenhum significado, é algo muito comum.

Porque sofrem para compreender algo tão simples assim? Não consigo entender. Quando é apenas uma pequena <distorção>—”

“...”

Enquanto a Akane-san ria, ela continuou.

“—Só queria comer os cérebros de todos vocês.”

  1. Equivalente a um aluno de terceira a quinta serie no Brasil.