Gekkou:Volume 1 Laranja & Vinho

From Baka-Tsuki
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[Laranja & Vinho][edit]


Nossa sala no começo da semana. Tsukimori me cumprimentou com um caloroso sorriso ao me ver.

— Bom dia.

Depois de hesitar por alguns segundos, respondi um rápido “Bom dia” e me apressei para minha mesa.

Eu não queria parecer um covarde, mas também não estava disposto a discutir com ela de manhã cedo em uma segunda-feira. Se fosse possível, queria por alguma distância entre nós e não ver seu rosto por um tempo. Pois ao olhar sua face eu me lembraria daquela sexta à noite que se tornara uma lembrança negra e queria enterrar aquilo o mais rápido possível.

Porém, Tsukimori era uma garota insensível aos sentimentos dos outros em certas ocasiões.

— Nonomiya-kun, seu colarinho está torto. — Ela indicou animada e ficou naturalmente diante de mim como se aquele já fosse seu lugar por séculos. Então, ajeitou meu colarinho com seus finos dedos brancos.

Sob meus olhos estava seu branco pescoço. Eu os fechei firmemente por um momento como se fosse para dispersar meus pensamentos errantes.

Meu colarinho não estava torto afinal.

— Quando você vai me visitar de novo? — Sussurrou Tsukimori, movendo seus lábios lustrosos.

Ela só queria trazer o assunto do sábado à tona de novo.

— Brilhante como é, você dever ser capaz de dizer se alguém iria à sua casa novamente depois de vivenciar uma noite como aquela.

Enquanto eu estava indefeso, ela disse: — Eu estou livre próxima semana sábado à noite. Minha mãe deve chegar tarde nesse dia também, devido a um encontro da associação.

Ela não poderia ter sido mais indiferente.

— Você ainda acha que eu diria “Sim”?

— Você ainda acha que eu gostaria de ouvir “Não”?

— Parece que tenho de ser claro com você já que parece ficar cega quando as coisas não vão do jeito que quer.

Aproximei-me até estarmos cara a cara, e declarei à queima-roupa:

— Você não vai me ver por lá uma segunda vez!

Para coroar minha declaração, dei um sorriso digno de Tsukimori.

— Não precisa ficar envergonhado.

Contudo, a criadora do sorriso estava impassível.

— De vez em quando você realmente se comporta como um idiota, sabia?

— Enquanto que você sempre é dissimulada, certo?

Do ponto de vista dos outros deveríamos parecer melhores amigos, sorrindo um para o outro daquela curta distância.

— A Youko-san e o Nonomiya não são um pouco como... recém-casados...?

E então alguns soltaram, infelizes, comentários mal informados com expressões descontentes.

Chizuru Usami era aquela que tinha feito o comentário “recém-casados”.

Eu não sei como um bebê baiacu parece, mas imaginei que deveria ser algo um tanto como Usami parecia agora, olhando para mim de cara feia com seu queixo apoiado na mesa e inflando suas bochechas como balões.

Usami realmente era uma garota peculiar. Eu calculo que não há muitas pessoas que parecem tão adoráveis quando estão mal-humoradas.

Enquanto alegremente observava Usami com o canto do olho, Tsukimori disse de forma embaraçosa:

— Você ouviu isso? Como recém-casados!

— Uma piada de mau gosto, sem dúvidas.

Se por acaso Tsukimori tivesse corado ao menos uma bochecha, por assim dizer, eu talvez tivesse reconsiderado e talvez tivesse admitido o lado fofo dela. Porém, desafortunadamente, Youko Tsukimori não podia ser compreendida tão fácil.

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No momento seguinte, seus olhos haviam se transformado em luas crescentes. O diabo tinha subido à terra. Nos meus olhos eu podia ver um rabo pontiagudo preto crescendo dela.

— Bem-vindo ao lar, querido. Você gostaria de tomar um banho? Ou talvez você prefira… a mim?

Então ela riu divertidamente.

Para os outros que não conheciam sua verdadeira natureza, devia ter parecido uma puríssima garota que havia realizado com sucesso uma pequena brincadeira.

—…Uma piada de mau gosto, sem dúvidas.

Mas, para mim, era um pesadelo em vários sentidos. Um deles é que lá havia um cara que não podia ficar quieto quando o assunto envolvia Youko Tsukimori.

— Ei! Nonomiya!

Aqui estava ele, Kamogawa, com uma careta que lembrava o porteiro do inferno.

— É claro que é o banho, certo? Você naturalmente escolheria o banho, certo?

Muito para meu desgosto, ele estava acompanhado de um regimento de caras ávidos por apoiá-lo.

— Fale!

— Se você não escolher o banho... você sabe o que vai acontecer, não é?

O grupo trocou olhares e então, simultaneamente, deram um sorriso amigável. Eles eram nojentos.

— Bem, como um homem é óbvio que eu escolheria... — Dependia de mim escolher, e daí?

Kamogawa e os outros não tinham nada a dizer sobre isso.

— ...Como um homem deve-se pegar a refeição, não é?

Mas eu não gostava de problemas.

— Uma sábia decisão, Nonomiya-kun!

— Estou tão feliz que você entende o que digo, Kamogawa-kun.

— Então vamos ali ouvir o que você tem a nos dizer, não vamos?

— ...Não existem palavras para expressar meus atuais sentimentos apropriadamente.

Isso marcou o início de uma grande perda de tempo, durante a qual iria ser interrogado se estava saindo com Tsukimori e, ainda na qual, eu teria que assegurá-los de novo e de novo que esse não era o caso.

Santo Deus, eles não faziam a menor ideia. Eles apenas podiam agir assim levianamente porque não conheciam a receita de assassinato.

E sem a menor consideração pelos meus problemas, Tsukimori agitou sua mão animadamente.

— Tchau, querido!

Por isso, dei-lhe uma resposta adequada.

— Vou chegar tarde essa noite, meu bem.

O aborrecimento me levou a isso.

Estou certo de que um manto de pesar me envolveu a medida em que eu me afastava como um subalterno que devia obedecer ao seu chefe.

Nesse momento, eu já notara que uma normalmente barulhenta colega de classe minha, Usami, tinha estado calada esse tempo todo.

Mas não tinha tempo para me preocupar com ela, pois já estava de mãos cheias tendo de lidar com Youko Tsukimori, Kamogawa e o resto.

Bem, é difícil dizer se ter interagido com ela logo teria mudado o que aconteceu depois na escola.

As aulas tinham acabado e eu já estava pronto para ir embora quando fui repentinamente interrompido por uma tímida Usami.

— ...Nonomiya?

— Qual é o problema?

— Err, eu notei que... você e a Youko-san tem se dado muito bem ultimamente...

— Não mais do que o normal.

Irritado por ouvir aquele assunto de novo, um tom firme adentrou minha voz. Usami processou que meu humor não estava favorável, e então ficou ainda mais covarde.

— ...Mas vocês sempre estão juntos.

Como eu já estava farto de falar a respeito de Tsukimori, declarei rápido — Simplesmente vemos um ao outro muitas vezes no trabalho e como representantes de sala. Isso é tudo. — E depois peguei minha bolsa e me apressei para fora da sala.

Mas no instante seguinte Usami havia dado a volta ao meu redor e estava bloqueando o caminho.

— Espeeeeerreee!

— Vamos lá, o que há?

— Err, bem, você tem alguns minutos?

— Não.

— É-É realmente só um instante, sério!

Meu olhar parecia ser intimidante; ela desviou seus olhos e olhou ao redor da sala como uma sagui-leãozinho[1] assustada.

Respirei fundo; discreto o bastante para passar despercebido.

— Depende do que você quer.

Quando observei que havia agido um pouco mais descontraído e insinuei que estava disposto a ceder, ela pareceu visivelmente aliviada.

Usami não tinha culpa. Eu acabei por ficar cansado de Tsukimori me dominar e de ser cutucado pelo Kamogawa e seus seguidores. Em suma, havia revidado isso nela mesmo sem ser sua culpa.

Depois de dar uma olhadela ao nosso redor, Usami sussurrou para mim:

— Estou desconfortável aqui... podemos ir para algum outro lugar?

Como estava pronto para acompanhá-la para o que quer que fosse que ela quisesse de mim, ao menos isso, pois queria fazer as pazes, acenei com a cabeça sem dizer nada.

— Vamos, então...?

Seu rosto tenso e seu desajeitado jeito de andar me fizeram ficar um pouco preocupado sobre o que estava por vir. Mas ainda relaxei, pois era apenas a Usami, afinal.

Fui guiado até o fundo do ginásio de esportes, que estava estranhamente quieto naquele dia.

— As atividades dos clubes foram suspensas a partir de hoje, por causa dos exames do meio do semestre estarem chegando.

— Entendo. — Duas perguntas minhas, intituladas “porque o ginásio está tão silencioso” e “porque a Usami não está ocupada com o seu clube”, foram respondidas ao mesmo tempo. — Então? O que quer de mim?

Sentei no beiral de concreto do ginásio, ouriçando minhas orelhas. O segmento padrão quando se chama alguém para um lugar como aquele certamente seria “Você me irrita!”, seguido por uma briga, e eu, com certeza, acharia isso divertido se fosse esse seu real problema, mas como provavelmente perderia para ela numa luta séria, já que era bem atlética, rezei para ser alguma outra coisa. Algo pacífico.

— ...É apenas a continuação de nossa conversa mais cedo. — Disse Usami enquanto me espiava de tempos em tempos. — Diga, Nonomiya, seriam você, e a Youko-san, hum... sabe, um casal?

Não estava surpreso. Kamogawa e os outros tinham perguntado o mesmo alguns momentos antes. Apesar deles terem adicionado “Se vocês forem, considere-se embaixo de sete palmos de terra.” com olhos vermelhos bem sérios.

— Não seja boba. É claro que não! — Zombei, mas Usami ainda estava séria.

— M-Mas! Você é o único garoto com quem ela se dá especialmente bem!

— Como mencionei, isso é meramente porque várias vezes temos que trabalhar juntos.

— Mesmo assim! Ultimamente, Youko-san está mencionando você o tempo todo quando conversamos!

— O mesmo de antes.

— Mas então! Mas então, por que Youko-san olha pra você de quando em quando durante as aulas?

— ...Você está latindo para a árvore errada. Vá perguntar a ela!

Isso era novo para mim.

— Diga o que quiser, mas ainda acho vocês dois suspeitos! Eu sei!

— E?

— ...Hã? ‘E’ o que?

Usami parecia atônita.

— O que você quer ouvir de mim?

Vendo pontos de interrogação sobre sua cabeça, pressionei pela resposta.

— Faria você feliz se eu disser que estamos namorando?

— Não! Você não deve! — Ela gritou, só para fazer uma expressão “Oh, o que eu disse!” no momento seguinte. — ...Ah, naturalmente isso não é uma coisa da qual eu possa falar algo a respeito, é um problema entre você e ela afinal, mas, hum, quero dizer, Youko-san não é, tipo, a ídolo de todo mundo e tudo mais? Então, veja...

Sua agitada justificativa parecia não ter fim se ninguém a interrompesse.

— Usami. — Dei uma tapinha no concreto próximo a mim e fiz sinal para que se sentasse. Ela obedientemente sentou-se enquanto brincava, embaraçada, com seu cabelo.

— Honestamente, não há nada entre Tsukimori e eu — assegurei-lhe com firmeza, olhando em seus olhos.

— Entendo... então não há nada, né.

O rosto de Usami começou a brilhar como o de uma criança que havia ganho doces. Ela era tão simples de se entender.

Essa também era provavelmente a razão pela qual eu havia facilmente notado que ela estava atraída por mim, mesmo sem ter a intuição superior da Mirai-san.

— Muito bem então, parece que você me entendeu. Quando estava quase me levantando, pensado que aquilo havia sido tudo, ela segurou meu cinto.

— Posso perguntar só mais uma coisa?

Originalmente, eu planejei simplesmente ignorar seu “agarre” e levantar, depois dando uma olhada na sua reação, mas já que meus quadris não se moviam nenhum pouco, desisti e sentei de novo.

— ...Por favor vá em frente.

— Certo, hm, Nonomiya... você não está saindo com ninguém no momento, certo?

— Certo. Usami abaixou seus olhos.

— Então... t-tem alguém de quem você goste? — Ela perguntou voltada para o chão. Sua face estava tensa e seus lábios cerrados como um bico de pato.

Sua pergunta não era nada incomum. Ao menos para mim isso não era nada para se afobar. Normalmente.

Contudo, devido a um nome ter cruzado minha mente por uma fração de segundo, eu esqueci de respondê-la.

— ...P-Porque não está dizendo nada?

Sua angústia ajudou-me a encontrar minha língua.

— ...Isso já é uma terceira pergunta!

— Ah! Você quis me distrair! Isso quer dizer que há alguém! Há alguém de quem você goste!

Usami arregalou seus redondos olhos e inclinou-se para trás, chocada. Fiquei tentado a empurrá-la.

— Hein? Quem? Quem?! Ah! É a Youko-san, não é? É a Youko-san!

— Agora voltamos ao início. Para que foram esses minutos de agora a pouco? Devolva-me meu tempo e esforço!

— Mas quem mais poderia ser?!

— Pode me dizer o que exatamente faz você ter tanta certeza disso, então?

— Minha intuição feminina!

Sua resposta pronta me fez imaginar que tipo de besteira a sagui-leãozinho estava tagarelando, mas já que ela realmente era uma mulher, eu era impotente diante dessa arma chamada “intuição feminina”, que permanecia um mistério para os homens.

Acima de tudo, o nome que me veio à cabeça realmente era Youko Tsukimori, então não tive coragem de negar.

— Eu acho que Youko-san vê você de um jeito diferente. Eu sei que sim, porque já nos conhecemos a um bom tempo. — O nervosismo de antes havia desaparecido. — Mesmo que negue isso, eu penso que ela é diferente com você.

Usami falou olhando direto para mim com um olhar firme.

—...E também te entendo claramente, Nonomiya... Eu sempre te observei, afinal.

Esse era o olhar de alguém decidido.

— Acho que você apenas não se deu conta disso, mas também a considera especial... não consigo por isso bem em palavras, mas penso que vocês são especiais um para o outro. Como se isso tivesse se tornado mútuo a algum tempo, sem que percebessem, e então tudo que falta é um empurrãozinho... e você sabe, eu estava como “tenho que me apressar, rápido!”, mas então pensei que isso seria bem egoísta de minha parte. Mas aí, ao invés bancar a boa garota e ficar me arrependendo, pensei que seria apropriado para mim ser uma garota má ao menos dessa vez... seguir meu próprio caminho e ser sincera, sabe... então, hum...

Usami apressadamente acrescentou — S-Só um momento. — Respirou fundo algumas vezes e saltou sobre seus pés.

— Eu, Chizuru Usami, amo... você.

A maneira que ela se confessou não poderia ser mais Usami.

Suponho que não haveria humano algum nesse planeta que não gostaria de receber tal confissão dela. Tornei-me ainda mais afeiçoado a ela que antes.

— Obrigado. — Disse, mais ou menos automaticamente.

— Hein? Hum, de nada...? — Respondeu Usami, visivelmente confusa.

Eu estava sinceramente feliz com sua confissão já que gostava dela; uma garota que não podia ser mais diferente de mim.

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Uma suave brisa soprou gentilmente por nós como se o prédio da escola tivesse suavizado as arestas pela sua passagem. A parte de trás do ginásio estava tão calma que o barulho rotineiro parecia ser uma mera ilusão.

De repente, Usami estendeu-se ao extremo como um gato e:

— NYAAAAAAAAAAAAAAAH!

Berrou ao céu azul algo que soou como um grito agonizante felino.

— Ah! Me sinto TÃO livre agora! Estou muito contente por ter te contado!

Seu rosto estava literalmente brilhando.

— ...Desculpe perturbá-la enquanto saboreia sua conquista mas, o que eu deveria fazer agora?

— Hm?

— Ainda não te dei uma resposta, dei?

Supus que deveria retornar sua bola direta, de algum modo, mesmo que a bola fosse numa direção que ela não gostaria.

No momento seguinte Usami soltou uma risada como a de um sapo bebê.[2] . Eu sinceramente tinha a intenção de ser tão ser atencioso quanto os meus limites permitissem, mas parece que fazer algo que não se tem costume sempre gera maus resultados.

— ...Não precisa se preocupar. Eu não estou mesmo esperando uma resposta. Quero dizer, estamos falando de você, Nonomiya.

Ela estava sussurrando. Como olhava para o chão, não consegui reconhecer a expressão dela.

— Não sei o que quer dizer com isso mas, por hora, vou apenas ficar chocado.

— ...Você chamou minha atenção desde o momento em que entramos nesta escola, e sei a um bom tempo que você não é tão simples. Não estou esperando uma resposta favorável!

Meu orgulho não me deixava admitir que ela estava correta.

— Meus sentimentos são confusos quando se trata de ser visto dessa forma como um cara. —

Automaticamente encolhi os ombros. Isso é o que se pode chamar de perca de prestígio.

— Mas, sabe... — Começou Usami timidamente enquanto balançava suas pernas — Ainda assim me apaixonei por você, então não tive outra escolha senão tentar o meu melhor!

Suas orelhas estavam quase tão vermelhas quanto um tomate maduro naquele momento.

— Você tem gostos bem peculiares, não é?

— D-De quem é a culpa?! — Contestou a Usami vermelha brilhante.

Mesmo seu lado sentimental e simplista, que normalmente seria visto como um ponto fraco, apenas aumenta sua beleza em conjunto com a natureza diligente e sincera dela.

Ela me lembrou de um certo comentário.

«Alguém uma vez disse que garotas apaixonadas são invencíveis. »

Usami apontou seu dedo bem diante do meu nariz.

— Mas um dia eu vou ouvir você dizer que me ama! Definitivamente! — Sua timidez partiu para um lugar bem distante, substituída por seu usual vigor.

Contudo, percebi que seu pequeno dedo estava tremendo de leve.

Aquela “garota-bichinho-de-estimação” chamada Usami esforçava-se para fazer muitas coisas as quais eu conseguia facilmente, mas as vezes ela realizava façanhas que eu apenas podia sonhar.

Como foi com a sua confissão.

Talvez seja um pouco exagerado, mas eu admiro a Usami. Talvez porque ela tem características que eu não poderia nem ao menos desejar.

E ela para mim parecia ainda mais impressionante nesse momento, me fazendo querer, simplesmente, tê-la em meus braços.

Porém, deliberadamente segui o outro caminho.

— Interessante. Por favor, dê o seu melhor! — Eu disse fazendo uma cara relaxada de propósito. — Mas deixe-me avisá-la: não pense que sucumbirei facilmente por uma garota como você!

— O que foi que disse?! Lembre-se bem dessas palavras!

— Sim, sim.

— Maldição! Vou te mostrar o que é uma mulher de verdade!

Não pude evitar. Apesar de tudo eu sou um “não tão simples” esquisito que acha que uma

Usami zangada é a mais fofa de todas.

E mais uma vez, cheguei a mesma conclusão: Eu seria muito feliz se ela fosse aquela que eu mais amasse.

E esse também foi o momento no qual me tornei totalmente ciente de que havia uma pessoa em meus pensamentos que eu não poderia ignorar.

O dia seguinte. Estava chovendo continuamente desde a manhã.

Meus sentimentos em relação a ela oscilavam em um estado incerto. Impuro demais para ser chamado de amor, e ainda assim, forte demais para ser chamado de interesse.

Essa era a primeira vez na minha vida em que fui tomado por emoções. Mas se esse era o preço a ser pago pelo meu modo de vida autônomo, eu estava pronto para aceitar e lidar com esse desconforto.

É claro, não haviam dúvidas de que a receita de assassinato havia posto um freio em meus sentimentos.

Definitivamente não sou avesso a garotas misteriosas, mas mesmo eu me sinto um pouco desconfortável quando um segredo que excede o bom senso vem endossar o caso.

Assassinato sendo um exemplo disso.

Não é fácil aceitar uma pessoa que talvez tenha assassinado alguém. Não só pelas razões éticas, mas também pelo medo de que ela se rebele instintivamente e você venha a se tornar o próximo alvo.

De todo modo, havia um jeito de esclarecer isso.

Na realidade era simples: Eu tinha apenas que ir perguntá-la diretamente se ela tinha ou não assassinado alguém.

Se ela respondesse “Não”, eu poderia desprezar minhas exageradas ideias com desdém, enviar a amarrotada receita de assassinato para o lixo incinerável e obter uma vida cotidiana um pouco melhor do que a atual: uma emocionante incluindo Youko Tsukimori.

Não era isso suficiente para justificar o risco? Pedir por mais seria ganância. Há sempre uma palha que quebra as costas do camelo.[3]

Porém, e se a resposta fosse “Sim, eu matei alguém”?

Eu dei atenção ao fato do conteúdo da receita de assassinato estar em sincronia com a causa da morte do pai dela. Qualquer um, mesmo não sendo uma pessoa com tendência a fantasiar como eu, chegaria, dados esses dois fatos, a conclusão de que a receita de assassinato foi escrita com o objetivo de matar o pai dela.

Mais que isso, era completamente natural supor que o autor da receita fosse o assassino por consequência.

Repousei meu olhar sobre meu ombro. Diante dos meus olhos e nariz havia uma mecha de cabelo preto desenhando uma elegante curva.

Como se em uma montanha-russa, uma gota de água deslizou por aquele liso cabelo apenas para eventualmente chegar ao seu fim e pular no ar cinza escuro. Perdi um batimento quando associei meu próprio destino aos últimos momentos daquela gota d'água.

Provavelmente percebendo meu olhar — Hm? — Ela inclinou a cabeça levemente enquanto exibia aquele seu gentil sorriso como o de uma irmã.

— Estou me encostando um pouco mais perto. Senão vou me molhar.

Ela alegremente aconchegou-se a mim como se fossemos um casal. Como natural consequência, seus palpáveis seios estavam gentilmente tocando a região do meu cotovelo.

Diabólica como era, ela deve ter apreciado me seduzir.

Mas não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Estava chovendo e o meu era o único guarda-chuva, encurtando minhas opções para uma. Assim a distância entre nós estava mais curta que o comum.

Eu suspeitava, entretanto, que ela escondia um dobrável em sua bolsa. Não posso acreditar que uma esperta como ela esqueceria seu guarda-chuva.

É claro que havia apenas uma garota em meu círculo de relacionamentos que correspondia a descrição acima.

Youko Tsukimori.

Nós havíamos terminado o dia de trabalho e estávamos andando em direção a estação mais próxima. Acompanhá-la após o trabalho havia se tornado uma tarefa habitual minha desde o dia em que ela nos contou sobre seu potencial perseguidor.

Depois daquela noite, Tsukimori me disse:

— Eu me sinto realmente segura quando você me acompanha até em casa. Se não for incômodo, se importaria de me acompanhar sempre?

Naturalmente, recusei de imediato — Não, porque isso é... — Mas infelizmente estávamos na sala de funcionários no momento, o que me deu o desprazer de virar todo o pessoal, liderados pela Mirai-san, contra mim: — Vamos lá, faça isso!

Eu não teria escapado sem implorar por — Por favor, vamos acordar de acompanhá-la até a estação! — Aquilo foi verdadeiramente incompreensível.

No entanto, a vida as vezes toma um rumo inesperado. Para meu grande prazer, o caminho até a estação era ideal para falar em particular com ela.

Esperei pelo instante em que o semáforo ficou vermelho. — Quando eu assistia as notícias ontem, comecei a me perguntar... — Iniciei — por que as pessoas matam?

Na verdade, eu não tinha assistido ao noticiário no dia anterior. Mas, bem, deve ter tido ao menos um assassinato, considerando o estado atual da sociedade.

— Oh, você está bem filósofo hoje, não é? Eu gosto do seu rosto contemplativo! — Ela falou em uma voz extremamente molhada, como senão só seu cabelo mas também sua voz tivesse sido atingida pela chuva. — É por causa da chuva? As pessoas sempre ficam um tanto sentimentais quando chove, não concorda? Bate a vontade de ler livros que você normalmente não leria.

— De fato, se eu estou agindo diferente hoje, então pode ser mesmo por causa da chuva.

As palavras dela me deram o palpite que eu não teria escolhido esse dia pela chance, e sim, pelo mau tempo.

— De qualquer forma, se importaria de compartilhar seus pensamentos?

Nosso fundo musical era composto pelos pingos batendo no meu guarda-chuva, pelo som aquoso dos pneus no asfalto e pelo sangue circulando em minhas veias.

— Bem...

Tsukimori sacudiu o negro cabelo havia grudado em sua bochecha, liberando uma essência de rosas.

— ...pelo estado de espírito, talvez.

Sua voz era indiferente.

— ...Pelo estado de espírito? Isso é tudo? Você alega que isso é motivo suficiente para matar alguém? —

Eu estava ofendido pela sua resposta obviamente negligente.

— Não é isso.

O que quer dizer? A menos que você articule um pouco, um mero mortal como eu não consegue compreender sua genialidade; estou assustado.

— Oh, não fique agitado. Eu não estou brincando, sério. Eu penso assim!

Ela encolheu levemente seus ombros quando percebeu meu olhar de esguelha nela.

— Veja, eu acho que a maioria dos casos na verdade poderiam ser resolvidos sem recorrer-se a assassinatos, por exemplo, se for por rancor ou por um fatal emaranhado de ciúme. É claro que existem exceções como assassinatos por seguros de vida.

O semáforo mudou para verde. Uma multidão de guarda-chuvas pôs-se em movimento, deixando para trás apenas o guarda-chuva vermelho sob o qual estávamos.

— Você não acha que há vários jeitos de se vingar ou descarregar rancor mais efetivos que matar?

Eu tinha dificuldades em pensar em um, mas não tive nenhum problema em assumir que Tsukimori conhecia alguns.

— Todo assassino tem de expiar adequadamente por seus crimes, seja pela lei ou por sanções sociais. Há o ditado “Viva pela espada, morra pela espada”[4], eu acho que ele se aplica a assassinato também. Então, a meu ver, é apenas um método tolo e descuidado e nada a mais.

Existe provavelmente muitas maneiras de chamar isso, “fúria” ou “impulso” por exemplo, mas para mim se resume a uma questão de humor, uma questão de “estado de espírito” — ela disse, e então acrescentou — Considero todas as ações irracionais uma questão de humor.

— Como você disse, assassinato pode ser realmente uma conduta sem sentido.

Eu concordava com sua opinião. Fiquei até comovido. Mas essa também era a provável razão pela qual aquele estranho momento de conforto parecia um pouco fora de ordem para mim.

À primeira vista, seu discurso bem fundamentado a fazia parecer uma honrada estudante modelo. Mas, após um segundo pensamento, ela só estava realmente falando sobre os meios de alcançar um objetivo.

Em poucas palavras, ela havia apenas argumentado sobre a eficácia do assassinato como método.

Isso não queria dizer que ela não estava absolutamente desaprovando o assassinato?

— Mas como você mesma admitiu, existem exceções, certo?

Do meu ângulo diagonal eu não conseguia ver todo o seu rosto. Apenas sua boca estava um pouco em minha vista.

— ...Por exemplo?

E aquela boca estava sorrindo.

Ali nós ficamos parados juntos embaixo de um redondo, pequeno guarda-chuva, cercados por uma massiva parede de chuva e noite.

Mesmo a cidade estando cheia de todos os tipos de sons, pintada em várias cores e lotada de pessoas, me senti, de alguma maneira, separado de tudo, como se estivéssemos sozinhos num elevador à meia-noite.

— Por exemplo, se você fosse capaz de matar despercebido.

A razão daquele fenômeno era simples: Eu tinha bloqueado o mundo.

Naquele momento, Youko Tsukimori era a totalidade do meu mundo.

— Você poderia ser um pouco mais específico? Seus pensamentos retorcidos são muito complicados para uma pessoa honesta como eu entender, estou assustada.

Ela fingiu dar os ombros, me provocando.

— Estou falando do crime perfeito, aquilo de que qualquer pessoa chamaria se um assassinato premeditado fosse tido como um acidente por todo mundo, ao invés do crime que é.

Quando terminei minha explanação, Tsukimori respondeu, concentrando-se ao máximo.

— ...De fato, nós precisamos traçar uma linha entre o assassinato não planejado e o crime perfeito, o qual você não pode cometer apenas pelo estado de espírito. Você precisa manter a cabeça fria e ser racional se deseja a perfeição.

O foco da nossa discussão estava completamente e unicamente sobre a utilidade e eficácia; ética e moral não estavam sob debate.

— Mas a polícia do nosso país é respeitada mundialmente, não é? Ouvi que a detecção científica de crimes está progredindo rapidamente também, comparada ao passado. Não é o crime perfeito, de fato, impossível?

Ela sorriu como se fosse para implicar que tudo aquilo era mera ilusão.

Foi aí que finalmente encontrei um possível motivo para a inoportuna sensação que tinha sentido mais cedo:

Nossa conversa era claramente “não romântica” demais para dois adolescentes agarrados juntos no meio da rua sob um guarda-chuva. E ainda assim lá estava eu, absorvido nela, o que seria o mais provável, dado o tipo de pessoa que sou.

A morte ou vida de uma pessoa não relacionada não tinha importância para mim. No máximo eu ficaria curioso a respeito da morte de tal pessoa. Não, minha única resposta seria curiosidade.

Eu estava bem ciente do meu senso levemente não-convencional.

Mas e quanto a ela?

Poderia a renomada, justa Youko Tsukimori realmente permitir tal conversa imoral? Para alguém tolerante e sorridente como ela, falar sobre isso comigo sem mostrar o menor desprazer não deveria ser problema algum, mesmo que tivesse que esconder seu desgosto.

Contudo, não era assim que parecia para mim.

Como assim? Bem, por que senti que, assim como eu, ela... apreciava temas imorais ao máximo.

— Certo, mas então, como uma pergunta puramente hipotética...

Cuidadosamente toquei o meu bolso esquerdo do uniforme por cima. Dentro deIe estava um pedaço de papel dobrado quarto vezes.

— ...o que você faria se houvesse um plano que possibilitasse o crime perfeito?

Eu sempre carregava a receita de assassinato perto de mim.

No instante seguinte, ela soltou um riso que me lembrou o som de um sino.

— Uma boa pergunta. De fato, eu poderia considerar o assassinato como uma maneira de alcançar um objetivo, se fosse capaz de cometer o crime perfeito. Mas no meu caso, — disse ela com um travesso sorriso de lua crescente, muito do meu gosto — Eu nunca basearia tal conduta em um plano escrito que poderia permanecer como prova depois. Seria ridículo se um plano que torna o crime perfeito possível o fizesse falhar. Acho que o plano deveria existir único e inteiramente na cabeça da pessoa.

Ela refletiu por alguns instantes, sussurrando, e adicionou — ...Se você me perguntar e pensar de forma simples sobre isso, não importa se foi planejado ou apenas um produto de coincidências. No fim das contas, é um crime perfeito se ninguém perceber seu ato intencional, certo?

Algo se desdobrou diante dos meus olhos que excedeu minhas expectativas. Isso quase foi tão longe que suspeitei que estivesse dormindo acordado.

— É inteiramente o resultado que determina se o crime é perfeito ou não. Por mais perfeito que um plano seja, ele está acabado assim que alguém o percebe. Pondo de outra forma, por mais “frágil” que um plano seja, ele é um crime perfeito enquanto ninguém o perceber.

Subitamente, percebi que estava tremendo.

— Mas você não concorda que falhas são naturais se um humano está envolvido? Humanos são imperfeitos, afinal. É a imperfeição humana que comete as falhas, enfim. Então, consequentemente eu acho que é o executor quem detém a chave final.

Não porque estava com frio. Não porque o tempo estava medonho. Não porque ela me assustava.

— Para resumir meus pensamentos, a mais importante condição para o crime perfeito não é nem um plano perfeito e nem uma execução perfeita, e sim um humano perfeito...

Provavelmente eu estava tremendo de excitação. Por que eu parecia extremamente agitado. Ela riu.

— Cômico, não é? Essa é apenas outra teoria impraticável no papel; humanos perfeitos não existem afinal. Bem é claro que os que vão investigar o crime são humanos também, então haverá erros deste lado também. Mas eu ainda penso que o crime perfeito é impraticável a menos que você se depare com uma sucessão notável de coincidências.

EntãoEuNãoPoderiaTerMatadoMeuPaiCertoNonomiyaKun?

Talvez minha deturpada personalidade estivesse apenas brincando comigo, mas eu não pude deixar de pensar que isso era o que ela tinha declarado.

Sacudi forte minha cabeça.

— Altamente duvidoso.

Virei-me para ela e olhei dentro de seus grandes e amendoados olhos. — Por quê? — Ela perguntou, dando aquele sorriso lua de novo, enquanto me refletia em sua retina.

— Você mentiu. Disse que não existiam humanos perfeitos no mundo, mas eu conheço ao menos um em minha vizinhança.

Ela não perguntou “Quem?” mas apenas balançou a cabeça levemente.

— Entendo.

...Ela me pegou. Dessa forma só iria ser engraçado!

Era totalmente culpa da Youko Tsukimori eu estar mais falante que o normal e sentir meu coração palpitando de entusiasmo.

Por que as excitantes conversas com ela eram tão divertidas?

Talvez estivesse apenas extraindo prazer de falar sobre temas imorais, mas e se a outra pessoa não fosse ela? Seria assim divertido?

Por um lado, eu tendia a me irritar com seu comportamento, mas pelo outro lado, parecia ser uma expectativa de associar-me a ela profundamente em meu coração.

Então ao menos importava sobre o que iriamos conversar? Por ligar-me a ela, não estava eu apenas procurando uma emoção que não existia na minha vida cotidiana anterior a receita de assassinato? Não era essa a razão porque eu, inconscientemente, continuava andando na corda bamba sem ir direto ao ponto?

Não estava eu assustado de acordar e ser puxado de volta para aquela realidade entediante se confrontasse ela com a receita de assassinato?

Não havia senso de justiça em minhas ações. Havia somente interesse, curiosidade e o desejo de aprender mais sobre ela.

Então tudo que eu queria talvez fosse ter uma ligação com a fascinante pessoa Youko Tsukimori.

Porém, ao mesmo tempo também queria ter certeza se ela realmente usara a receita de assassinato para matar seu pai. Eu me contradizia.

—Sim. Eu estava a ponto de fazer meu próximo movimento em relação a ela.

Estava ansioso por conhecer uma faceta dela que ninguém conhecia.

A luz verde do semáforo começou a piscar de novo. A enésima luz vermelha nos aguardava.

A chuva ainda não mostrava sinais de enfraquecer e acertava o asfalto em um ritmo constante.

A multidão indo a estação, contundo, havia se tornado esparsa conforme a temperatura na cidade caía.

Restabeleci minha respiração silenciosamente para que ela não percebesse minha crescente excitação. Então lentamente levei meus dedos através dos meus botões, alcançando o bolso interno.

Estava decidido. Planejava perguntar a ela diretamente a respeito da receita de assassinato.

Mas então, de repente, Tsukimori abraçou-me de frente. Eu fui pego com meus dedos ainda no bolso, incapaz de tirá-los.

— ...Estou com frio — murmurou Tsukimori junto com um branco suspiro antes que eu pudesse erguer minha voz em surpresa.

Seu semblante nobre estava aquoso, seu cabelo preto ensopado, o jeito que ela se inclinou sobre mim, sexy, e seus belos lábios a altura do meu queixo pareciam implorar por beijo.

O macio toque que conseguia sentir do outro lado de seu uniforme ainda era o mesmo, mas ela havia realmente esfriado.

Era erro meu tê-la feito conversar tanto tempo em um estado molhado, mas não era louco nem tão experiente no amor para abraçar uma garota sob os olhos de toda a cidade por causa disso.

Pus minhas mãos em seus ombros, querendo me libertar do seu abraço, mas ela imediatamente balançou sua cabeça, teimosamente, dizendo — Não! — E abraçou-me mais forte ainda. Ao contrário de sua atitude infantil, seu corpo era maduro mais que o suficiente para gerar alguns sentimentos complicados da minha parte.

Foi quando senti uma vibração nos seios de Tsukimori, que estavam pressionados contra mim.

— ...Que vergonha para o bom clima.

Enquanto fazia uma cara de arrependimento, ela pegou seu celular do bolso do peito. Fez um pouco de cócegas quando ela o operou a uma distância zero.

Eu deslizei minha mão para fora da jaqueta e a enfiei no bolso da calça. Meu entusiasmo foi inteiramente estragado por aquele celular intrometido.

— ...Sim, Youko falando.

Sua expressão tornou-se séria prontamente após começar a conversa.

— ...Minha mãe? Não, eu não ouvi nada. Ela estava em casa quando eu fui para a escola essa manhã.

Conforme trocavam palavras, a expressão dela se tornava mais e mais obscura. Eu não conseguia entender o que quem ligou falava, mas era óbvio que não eram boas notícias.

— ...Sim. Entendo. Vou retornar. Sim. Se eu descobrir algo vou te ligar imediatamente.

Ela encerrou a chamada e soltou um suspiro cansado.

— Qual é o problema? — perguntei.

Ela olhou para mim com olhos úmidos por alguns segundos, hesitando.

— ...Minha mãe ausentou-se sem justificativa da escola de culinária em que trabalha — ela replicou ao fim — Ela nunca faria isso. Então alguém da administração estava preocupado a respeito dela e me ligou.

— Talvez ela esteja doente?

Expressei uma fraca palavra de consolo.

— Me pergunto isso... ele me disse que tentou ligar para nosso fixo várias vezes. É claro, ele também tentou o celular dela. Mas não chamava, então ele ligou para mim, sua filha, já que eu poderia saber de algo...

Ela encerrou sua sentença e começou a refletir, curvando suas longas sobrancelhas.

Soltei um suspiro. De alguma forma senti que nada além de problemas me esperava.

— Vamos depressa para casa.

Agarrei firmemente sua mão fria e andei em direção a estação, puxando ela atrás de mim.

— ...Hã?

Ouvi sua confusa voz diagonalmente atrás.

— Parece que você está com alguns problemas, então não vou interrompê-la por mais tempo e levá-la para casa — disse rapidamente — Dizer isso teria sido o mais apropriado, eu acho…

Mas vendo você fazer essa cara, como poderia deixá-la por si só? Além do que não quero nem ao menos imaginar a reação da Mirai-san se eu largasse você nesse momento.

Para minha franca observação, ela respondeu — Esse lado distorcido da sua personalidade é tão amável.

Ouvi sua agradecida voz diagonalmente atrás.

Achando que ela me provocava, prontamente pensei em uma boa objeção. Porém quando ela sussurrou — ...Obrigada — ao meu ouvido e senti seus dedos gelados segurando-se firmemente em mim, me tornei incapaz de replicar.

Nenhuma alma estava à vista na negra e fria área residencial. A incessante chuva que caía sobre nós conjurou uma sensação de isolamento em mim, ainda que Tsukimori estivesse do meu lado.

Nos apressamos pela longa, escarpada escada, onde no fim aquela casa esperava por nós; com aquele especialmente único design geométrico que a fazia se sobressair do resto da rica vizinhança.

Tsukimori havia tentando incontáveis vezes ligar para seu telefone fixo e para o celular de sua mãe no caminho, mas a única voz que ela ouvia de resposta era a da secretária eletrônica.

Devido sua emergente inquietação, suponho, não ouvi mais nenhum de seus comentários descontraídos no tempo em que chegamos ao nosso destino.

Patético que fosse, me achei incapaz de encontrar as palavras certas para consolá-la.

Segui Tsukimori pela entrada. Existia um silêncio absoluto lá dentro.

O fim do longo corredor fundia-se com a escuridão. A terrível situação fez parecer para mim como se estivéssemos perdidos no caminho até um sombrio reduto de demônios.

Quando tirei meus sapatos na entrada, ela disse — ...você vai pegar um resfriado. Aguarde um momento, vou te trazer uma toalha.

Enquanto rapidamente procedia pelo escuro corredor, Tsukimori inverteu com confiança vários interruptores na parede, preenchendo, gradualmente, a casa de luz.

Lentamente andei pelo corredor iluminado até a sala de estar, onde comecei a esperar por ela.

Olhei para os arranjos que permaneciam inalterados desde a última vez, e como assim estavam, a calmaria fez meus ouvidos sensíveis. Pensando bem, estávamos sozinhos naquela noite.

Então dessa vez nós estávamos provavelmente sozinhos, também.

Ninguém mais estava aqui. Isso era o que minha intuição disse no instante em que dei meu primeiro passo para dentro do prédio.

Bem, é claro que era possível que a mãe dela houvesse desmaiado em algum lugar da casa, mas julgando pelo que Tsukimori disse quando retornou — Quando procurava pela toalha, também olhei em vários cômodos, mas não a encontrei. Ela provavelmente não está aqui… — sua mãe estava ausente.

— Só espero que ela não esteja envolvida em algum acidente…

Eu sorri para a reflexiva Tsukimori.

— Mas talvez não seja nada demais e ela apenas não se sentiu disposta a ir ao trabalho por causa dessa chuva toda hoje, você sabe.

— Você quer dizer que ela simplesmente abandonou o trabalho?

— Bem, eu, por exemplo, muitas vezes considero seriamente em escapar da escola ou do trabalho e ir a algum lugar quando monto em minha bicicleta em dias agradáveis.

Eu achei meu próprio comentário engraçado.

— Espero que sim.

Mas graças a ela rir fracamente, fui poupado da autodepreciação.

— Talvez tenha uma mensagem para você em algum lugar, quem sabe? Um bilhete ou algo que diga onde ela está e o que está fazendo, talvez?

— Você está certo. Vou dar uma olhada.

Tsukimori acenou animada para minha sugestão. Aparentemente, ela havia recuperado sua compostura habitual.

Discretamente segui Tsukimori pela cozinha.

Por mais que me sentisse mal de tomar vantagem de suas preocupações com a segurança de sua mãe, eu certamente não tinha a intenção de perder a chance de explorar abertamente a casa dela.

Um elegante sistema de cozinha de tema amarelo preencheu minha vista.

— Como o esperado de uma professora de escola culinária — Comentei sobre a enorme geladeira, os utensílios estranhos e os vários ingredientes.

— Feito na Itália se me lembro bem.

Enquanto Tsukimori inspecionava a cozinha, dei uma olhada ao redor sem nada melhor para fazer e peguei um dos livros de culinária de sua mãe para folheá-lo.

Na verdade, não esperava que encontrássemos uma mensagem. Seria bom se houvesse uma.

Pessoalmente, eu esperava muito mais achar algo relacionado a receita de assassinato.

Por exemplo, um pouco de novas informações sobre a receita.

Eu estava consciente que estava sendo indiscreto. Contudo, para ser honesto, gostava desse tipo de clima. Eu apreciava sensações semelhantes ao trabalho de um detetive ou a explorar uma caverna por um tesouro.

— Parece que não há nada aqui. Talvez no quarto dela...? — disse Tsukimori melancólica e deixou a cozinha, silenciosamente seguida por mim.

Ela abriu uma das portas ao longo do corredor. No instante que a porta se abriu, pude sentir o cheiro excessivamente doce de perfume.

As paredes eram cobertas por papel branco, uma cortina decorada com fita, uma penteadeira contra a parede e uma cômoda carregada de incontáveis produtos de maquiagem. Esse era obviamente o quarto da mãe dela.

— Você se dá bem com sua mãe, não é?

— Sim, certamente não mal.

Na mesa de cabeceira da cama, que tinha um padrão florido, haviam vários porta-retratos, cada um deles ilustrando Tsukimori e sua mãe.

— Seus pais dormiam separados?

Havia apenas uma cama no quarto; uma cama para uma pessoa só.

— Sempre pensei que esse fosse o modo mais natural, mas é mais comum os cônjuges dormirem em um quarto só, não é? Bem, provavelmente é. Talvez eles fizessem isso porque ambos tinham que trabalhar, e acho que seria mais conveniente dessa maneira devido as circunstâncias.

— Na minha casa, meus pais dormem juntos numa cama king-size[5], se é de forma tranquila ou não, não posso dizer. Mas julgando pelo “Eu acordei no meio da noite porque você ficava roubando meu cobertor”, que com frequência ouço minha mãe gritar de manhã cedo, acho que eles se dão bem.

Ela soltou um caloroso sorriso enquanto me ouvia.

— Você tem país fantásticos.

Em sequência, apenas respondi sem expressão:

— Eles são normais.

— Eu não quero ficar muito tempo no quarto de uma dama— disse e sai rapidamente do quarto para esperar no corredor. Estava simplesmente intoxicado pelo perfume demasiado doce.

Perguntei a Tsukimori, que investigava ao redor da penteadeira nesse meio tempo:

— Onde é o quarto do seu pai?

Não posso dizer que não tinha segundas intenções.

— Você pode encontrá-lo logo do outro lado.

Também não posso negar que aquele era um pretexto para explorar a casa por conta própria.

— Nós deveríamos procurar separadamente. Vou olhar no quarto do seu pai.

Mas também era verdade que queria fazer uma boa ação, mesmo que isso não combinasse comigo, e ajudá-la ao menos um pouco depois de vê-la comportar-se com tal maturidade.

— Isso seria de grande ajuda. Mas talvez o quarto dele esteja um pouco empoeirado. Lá foi mantido intocado desde seu falecimento... — disse Tsukimori se desculpando.

— Não me importo — respondi e segui em direção a porta oposta.

Minha primeira impressão era que aquilo parecia uma biblioteca.

Todos os livros que cobriam uma parede eram sobre construção, percebi quando fixei meu olhar sobre suas lombadas. Sobre a brilhante mesa prateada estava uma extensa coluna de livros e um computador de mesa. Cada lado da mesa era equipado com um telefone sem fio.

Calculei que aquele cômodo era usado tanto como sua biblioteca quanto como escritório.

Conforme Tsukimori havia me alertado, meus passos deixavam para trás pegadas desenhadas pela poeira no chão. Também havia um monte de poeira nos esquadros da janela.

Parei. Tinha ouvido um ruído.

De acordo com Tsukimori, aquele cômodo supostamente estava intocado. Mas ainda assim um som sutil como o zumbir de um mosquito alcançou meus ouvidos.

Era o som de uma pequena ventoinha.

Eu parei diante da mesa prateada. O PC parecia estar ligado, embora estivesse no modo suspenso. Pressionei uma tecla aleatória.

— Tsukimori.

No instante em que vi a tela, chamei seu nome.

Ela então veio do cômodo vizinho, apertando parcialmente um olho, perguntando, “Hm?”.

— Isto — disse, apontando para a tela.

De fato, a mãe dela havia deixado uma nota com uma mensagem.

— Isto é... — ela balbuciou, surpresa, e ficou em silêncio, fitando a tela, como se o tempo tivesse congelado. Os únicos sons na sala eram a chuva batendo na janela e o constante zumbido da ventoinha do computador.

Nessa hora, eu não pude fazer nada além de observar sua linda, todavia, tão triste face, de lado. O nome de sua mãe estava escrito no “bloco de notas[6]” na tela, junto com o seguinte curto comentário.

«Sinto muito»

Nesse dia, não fui para casa até passar das três da noite em um carro de polícia.

  1. 1 Sagui-leãozinho: Cebuella pygmaea. Menor espécie de símio conhecida (15cm) encontrada principalmente na Floresta Amazônica.
  2. 2 Sapo bebê: Aqui tem-se o intuito se simbolizar um coaxado infantil, e não a risada de um girino.
  3. 3 Sempre uma palha: Provérbio árabe que diz que a menor ação pode desencadear grandes consequências dado um limite. Similar a expressão “Essa foi a última gota d’agua”.
  4. 4 Viva pela espada: Citação bíblica, frase dita por Jesus aos discípulos para que não resistissem quando ele ia ser preso; passa a mensagem que os métodos que utiliza também serão utilizados contra ti (Mateus 26:52).
  5. 5 King-size: Tamanho extra grande de cama, de tamanho padrão 193x203cm nos EUA. No Brasil corresponde ao tamanho família.
  6. 6 Bloco de notas: Programa simples de edição de texto puro (do inglês “notepad”) integrado ao sistema operacional Windows, que possui similares em outras plataformas.