Bakemonogatari: Volume 1 - Macaca Suruga 005

From Baka-Tsuki
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005[edit]

A casa de Kanbaru Suruga ficava a uma distância de nossa escola que levou cerca de trinta minutos pra chegar lá de bicicleta. Ou meia hora num ritmo de corrida. De início, o pensamento de andar de bicicleta com Kanbaru sentada atrás passou pela minha mente, mas isso parecia implicitamente banido entre nós dois. Ter duas pessoas numa bicicleta é perigoso e, em todo caso, ilegal. Bem, talvez fosse isso, ou simplesmente porque Kanbaru estava relutante em considerar essa possibilidade de sentar na traseira e acabar se segurando em mim. Se fosse assim, eu consideraria não andar de bicicleta e só andar ao lado dela, ou só deixar minha bicicleta na escola, contudo, Kanbaru simplesmente disse “Eu não ligo mesmo, só ande na sua bicicleta”. Enquanto eu estava pensando apenas “Então o que eu deveria fazer?”, Kanbaru simplesmente disse “Então vamos, me siga” e saiu em disparada. Ela também era assim quando estava me perseguindo, mas, de todos os numerosos meios de transporte disponíveis, tais como caminhada, bicicleta, automóvel ou trem, Kanbaru sempre escolhia “correr”, pensando não ser nada diferente de qualquer um dos outros. Eu duvidava que, mesmo entre os mais atleticamente inclinados, que houvesse muitos como ela. Kanbaru guiou a minha bicicleta com o veloz ritmo de “tap, tap, tap” dos seus pés e seu braço esquerdo enrolado numa bandagem branca. Enquanto chegávamos ao nosso destino, Kanbaru pareceu quase suar e nem mesmo precisou tomar fôlego.

Diante de nós estava uma magnífica e tradicional mansão japonesa. Do tipo que parecia ter uma longa história. Apesar da placa no portão dizer Kanbaru, claramente indicando que essa era, sem nenhuma dúvida, a residência da Kanbaru, eu estava hesitante em entrar na mansão com sua atmosfera imponente.

Bem, não era como se eu tivesse muita escolha no momento.

Parecia-se com um templo budista que eu visitaria durante uma viagem de estudos sociais, e eu entrei na mansão com sua atmosfera difícil de descrever. No final de um corredor que saía num jardim tradicional japonês com um shishi-odoshi, Kanbaru abriu a porta deslizante de seu quarto, e nós entramos.

... Eu fiquei bastante surpreso que ela deixaria seu senpai, com quem ela nem era particularmente próxima, entrar no seu quarto no estado atual dele.

Seu futon foi deixado esparramado no chão, roupas (incluindo calcinhas) estavam espalhadas por todo lugar, assim como livros de todos os tipos, didáticos, romances e mangás, alguns abertos e alguns fechados. Quase parecia-se com o armazém dela, com caixas de papelão empilhadas aos montes nos cantos. A pior atrocidade era o lixo casualmente não jogado em sacolas de lixo, mas apenas num tatame aleatório, ou às vezes, no máximo da habilidade dela, enfiado em sacolas de plástico da loja de conveniência da vizinhança e então deixadas por aí. Ou melhor, parecia que o conceito de um recipiente para se guardar lixo era inteiramente alienígena para o quarto.

Mesmo com seu extenso espaço de 12 tatames.

Não tinha nem um único lugar para começar a entrar.

“Desculpa por estar um pouco bagunçado.”

Kanbaru disse claramente, virando-se, com sua mão esquerda em frente do seu peito e um sorriso inocente em seu rosto. Entendo, pode ter sido só um comentário reacionário pra situação dependendo de como eu o interpreto, mas as pessoas normalmente não dizem isso para serem modestas ao deixar convidados entrarem num quarto pelo menos um pouco arrumado?

Inundado encima e queimando embaixo.

Isso se encaixava perfeitamente com a imagem do quarto.

Uau...

Até mesmo seus produtos higiênicos estavam jogados por todo canto.

Eu instintivamente desviei meu olhar.

Senti que se continuasse olhando, mais coisas que não deveriam ser vistas com meus olhos surgiriam. Eu acho que é ótimo ter autoconfiança, isso não é o mesmo de não ter nenhuma vergonha, Kanbaru Suruga...

Ah.

Pergunto-me se a Senjougahara tem algo do tipo. Mas, novamente, no caso da Senjougahara, não tinha nem mesmo um único cisco de poeira no quarto dela... Eu sinto que o caráter dela, junto com sua personalidade, foi bastante influenciada pela Senjougahara durante o ensino fundamental, mas na verdade piorou e acabou assim.

“Sinta-se em casa. Eu admiro a sua sensitividade ao ficar um pouco nervoso ao entrar no quarto de uma garota que você não conhece tão bem, Araragi-senpai, mas agora não é hora pra isso.”

“... Kanbaru.”

“Mhmm?”

“Eu sei que não é a hora, mas eu posso te pedir um favor?”

“Claro. Diga o que quiser. Eu não recusaria um pedido seu, Araragi-senpai.”

“Uma hora, não, meia hora dá... Só me dê algum tempo pra limpar este quarto. E uma sacola de lixo grande.”

Não é que eu seja um maníaco por limpeza, eu nem mesmo limpo o meu quarto tanto assim, mas isso simplesmente era horrível demais, podia-se até mesmo dizer cruel. Kanbaru se levantou e me encarou com um olhar confuso em seu rosto como se não tivesse sequer entendido o que eu acabara de dizer, contudo, sem nenhuma razão em particular para recusar, ela simplesmente disse “OK” e saiu para pegar uma sacola de lixo.

Avançando em frente.

Eu acho.

É claro, os destroços desastrosos que eram o quarto de Kanbaru não eram tão leves para que muito pudesse ser feito quanto a eles numa mera meia hora. E, em todo caso, essa ainda sendo o quarto de uma garota que eu não conhecia tão bem, houve áreas que eu podia e não podia eticamente, ou melhor, moralmente, tocar. Então eu reuni o lixo e organizei (simplesmente os dividindo por tamanho, como não havia sequer quaisquer instantes para livros no quarto da Kanbaru) os vários livros e revistas de uma maneira admitidamente aleatória, limpando o quarto quadrado num círculo. O quarto pelo menos estava num estado em que eu podia olhar após o futon ser dobrado e guardado no armário e as roupas dobradas e colocadas num canto. Ao menos havia espaço para Kanbaru e eu sentarmos e nos encararmos.

“Que impressionante, Araragi-senpai. Então eram dessas cores que os tatames no meu quarto eram. Quantos anos será que faz desde que eu vi o chão?”

“Você conta isso por anos...?”

“Desculpe.”

“Da próxima vez vamos marcar um dia... na verdade, talvez um dia e então me deixe dormir aqui pra trabalhar nisso no dia seguinte, só me deixa limpar este quarto. Vou trazer uns detergentes e água sanitária e todo o resto das coisas e dar a este quarto uma faxina pesada.”

“Sinto muito por ter que fazer você se dar ao trabalho, Araragi-senpai. Eu realmente não tenho nenhuma habilidade além do basquete, então eu realmente não sou boa com coisas como faxina.”

“...”

Era constrangedor ver ela dizer isso ainda com seu sorriso confiante... Na meia-hora em que eu estava limpando, vendo Kanbaru simplesmente parada sentada e sem nem mesmo tentar ajudar, parecia que Kanbaru não era preguiçosa ou achava limpar trabalhoso, ela simplesmente só era ruim nisso. Mesmo que não fosse algo com o qual eu realmente devesse me preocupar, isso definitivamente era algo que não poderia e não deveria ser mostrado aos seus fãs da escola, que a tratavam feito uma estrela do esporte. Imagino se ela nunca convida nenhuma das suas amigas da turma pra sua casa... Eu acho que mesmo suas amigas não seria tão ruim quanto seus kouhais de clubes. Na pior das hipóteses, isso poderia ser a fonte de um trauma psicológico pra eles. Juntos dos pedaços de lixo que agora estavam dentro de sacolas de lixo, havia numerosos copos de refrigerante amassados, embalagens de doces e copos de macarrão instantâneo... Como diabos alguém que come assim se torna uma atleta de nível nacional?

Gente famosa geralmente se torna ainda mais popular com esse tipo de casos de distração, mas isso era demais. De jeito nenhum isso poderia ser moe...

“Bem, agora.”

Era o dia seguinte.

O dia após sexta.

Sábado.

Ter dois dias de folga nos finais de semana já foi aceitado como senso comum ao redor do mundo todo, contudo, em nossa bem conhecida escola preparatória para a universidade, Colégio Particular de Ensino Médio Naoetsu, havia aulas normais mesmo no sábado. Mesmo quando o amanhã se tornou hoje, eu fui incapaz de chegar a uma conclusão, e então, no intervalo entre o primeiro e o segundo tempo, eu fui até o prédio do segundo ano. Em todo caso, com Kanbaru sendo tamanha celebridade, a escolha óbvia era de ver em que turma ela estava. Segundo ano, segunda turma. Os estudantes na sala de aula ficaram bastante animados com a chegada de um terceiranista (como um terceiranista, isso foi uma experiência tanto nostálgica quanto nova). Assim como eu esperava da Kanbaru, ela veio até onde eu estava esperando no corredor com seus largos, longos e majestosos passos.

“E aí, Araragi-senpai.”

“Oi, Kanbaru. Eu tenho um favorzinho que quero te pedir.”

“Entendo, então.”

Sem nem uma única questão, Kanbaru respondeu.

Quase como se isso fosse uma harmonia pré-estabelecida.

“Depois das aulas, eu quero que você venha pra minha casa.”

Então —

A casa da Kanbaru, uma mansão tradicional japonesa.

Se a gente só iria conversar, não precisava ser na casa da Kanbaru, poderia ter sido numa sala de aula vazia, ou no telhado, ou nas trilhas esportivas, ou até em algum restaurante fast-food por aqui. Eu tinha dito à Kanbaru, mas parecia que ela tinha alguma razão específica para conversarmos na casa dela.

Se tivesse uma razão, então eu iria com ela.

Sem precisar perguntar.

“Então, como a gente deveria começar, Araragi-senpai. Eu não sou tão boa em lidar com as pessoas, então não tenho certeza do que deveria dizer, mas, de todo jeito...”

Kanbaru rapidamente cruzou suas pernas e abaixou sua cabeça em direção a mim.

“Eu gostaria de me desculpar por ontem à noite.”

“... Uh.”

Eu tinha me recuperado naquele único dia, mas ainda sentia uma dor remanescente. Após gentilmente tocar meu estômago, eu balancei minha cabeça.

“Então aquilo era você.”

Capa de chuva.

Luvas de borracha. Botas de borracha.

Eu os encontrara na pilha de roupas quando estávamos limpando.

Sem nem mesmo ter que dizer.

“’Então aquilo era você’, você com certeza parece impaciente, Araragi-senpai. Você com certeza é impressionante. Você descobriu, não foi? Caso contrário, não teria me visitado.”

“Na verdade não. Eu só tava chutando. Eu só olhei pra coisas como sua forma, contorno e silhueta. E entre as pessoas que saberiam que eu tinha ido pra casa da Senjougahara para estudar. Tirando dessas condições e pensando nisso... Bem, não seria grande coisa mesmo que eu fizesse uma visita e estivesse errado.”

“Hmm, entendo. Muito inteligente.”

Kanbaru parecia genuinamente impressionada.

“É como alguns garotos podem diferenciar garotas só pelo quadril?”

“Isso é completamente diferente!”

Como diabos eu poderia dizer como seu quadril se parecia debaixo daquela capa de chuva, de todo jeito?!

“Desculpe, não foi isso que eu quis dizer.”

Kanbaru, mais uma vez, baixou sua cabeça.

Parecia uma desculpa sincera e tanto.

Mas, se não era isso que ela quis dizer, então o que ela queria dizer? Isso claramente me tinha como alvo — mas poderia ser outra coisa completamente?

“... Bem, desculpas de lado, eu só quero saber o motivo. Na verdade, o motivo é — de qualquer forma.”

O motivo.

Eu já tinha uma ideia.

Considerando a situação, eu não diria isso, mas era a primeira pista que me levou a pensar que Kanbaru era a pessoa na capa de chuva.

Mas —

“De qualquer forma, eu quero te perguntar sobre isso.”

Aquela força super-humana.

Kaii.

Capaz de destruir uma bicicleta como se rasgasse papel.

Destruir um muro de concreto num único golpe.

“Eu queria te perguntar. O que exatamente é...”

“Hmm. Eu acho que, se tivéssemos que começar, seria com isso, hm. Mas antes... Araragi-senpai, eu quero te perguntar, você é do tipo de pessoa que pode acreditar em coisas malucas?”

“Coisas malucas?”

Então tipo — aah, entendo.

Kanbaru não sabe da condição do meu corpo. Ela não teria sido capaz de ver meus machucados no meu corpo imortal sarando na duração de poucos minutos, então não tinha como ela saber. Então deve ser por isso que ela me perguntou isso — não, não é isso.

Mesmo que ela não soubesse de mim, Kanbaru sabia da Senjougahara. Ela sabia do segredo maluco da Senjougahara mesmo antes de mim. Então ela sabe que não tem como eu não saber do segredo da Senjougahara agora que sou o namorado dela. Isso significa que, agora mesmo, Kanbaru pode estar me averiguando.

“Você entende o que estou te perguntando? Quero dizer, você pode acreditar em coisas que você não viu com seus próprios olhos?”

“Eu só acredito em coisas que vi com os meus próprios olhos. Então eu acredito em tudo que vi. Claro, incluindo o caso da Senjougahara.”

“... Sério? Você sabia disso também?”

“Contudo”, disse Kanbaru, não parecendo nem particularmente embaraçada ou culpada.

“Eu não quero que você entenda mal. Eu não estive te seguindo por aí só porque queria saber da Senjougahara.”

“Hm...? Sério?”

Eu tinha certeza de que era isso.

Eu pensava com certeza que ela estava vendo se os rumores de que Araragi Koyomi e Senjougahara Hitagi que estavam vazando eram verdade ou não. E que depois de ouvir que ontem eu fui pra casa da Senjougahara pra uma sessão de estudos a sós, suas suspeitas foram confirmadas.

Bem, esse provavelmente é o caso.

Eu não acho que haveria algum erro nessa linha de raciocínio. Mas agora ela está dizendo que tinha outro motivo pra ela estar me perseguindo?

“Você e a Senjougahara não eram chamadas de Valhalla Combo quando você tava no time de basquete, e Senjougahara, no de atletismo?”[1]

“É, isso mesmo. Fico impressionada que você sabia disso também. Eu devo ter subestimado você, Araragi-senpai. Até agora, eu pensei que considerava você com a mais alta estima possível, mas parece que eu ainda estava te subestimando. Você pode até mesmo ser impressionante demais para mim sequer compreender com o meu senso de valores. Eu sinto que, quanto mais te conheço, mais distante nós nos sentimentos.”

“... Eu só tava te fazendo uma pergunta, sabe?”

Conseguir não soar sarcástico ou como um puxa-saco depois de ela ter me chamado de todas essas coisas quase se parece com uma arte em si.

“Eu ouvi sobre a origem do nome. Combina perfeitamente bem, não é?”

“Claro que combina. Eu pensei nele.”

Kanbaru pareceu inchada de orgulho.

... Ela mesmo pensou nele.

Faz um tempo desde que me senti tão triste assim...

“Eu realmente me esforcei bastante pra inventar isso, sabe. A propósito, eu também pensei no apelido Kanbaru Suruga-chan pra mim mesma, mas infelizmente isso nunca pegou.”

“Eu também tô desapontado.”

“Entendo. Você pode simpatizar comigo.”

Claro.

Estou desapontado com o seu senso do que você pensou que pegaria.

“Você realmente é uma pessoa compassiva, Araragi-senpai. Bem, agora que eu penso nisso, é um apelido meio longo. Acho que nunca pegaria.”

“Eu não acho que esse é o problema.”

Parecia que Kanbaru tinha amigos legais durante o fundamental.

Incluindo Senjougahara, na época...

“Deixando o Combo Valhalla de lado, parece que a sua intuição é bastante boa, então você pode já saber do que estou prestes a contar a você. Durante o fundamental, Senjougahara e eu — na verdade, antes da gente falar disso, tem uma coisa que eu quero que você veja, Araragi-senpai. É por isso que eu originalmente planejei usar um pouco do seu precioso tempo e fiz você ter o incômodo de vir até a minha casa.”

“Uma coisa que você quer que eu veja? Ah, entendo. Essa coisa que você queria que eu visse tava na sua casa, então por isso que a gente não podia conversar na escola.”

“Na verdade, não é por isso. Eu acho que chamaria atenção na escola, e fico preocupada com outras pessoas vendo... Tanto quanto posso, é uma coisa que eu não quero que as outras pessoas vejam.”

Dizendo isso, Kanbaru começou a desenrolar a bandagem branca no seu braço esquerdo. Ela tirou o prendedor que segurava a bandagem ao redor de seu braço e, começando do lado mais próximo de seus dedos, ela —

Eu me lembrei.

Naquela noite.

Quando a pessoa na capa de chuva destruiu minha bicicleta, ou quando ela atravessou o muro de concreto, ou quando ela rasgou os meus órgãos —

Foi tudo com o punho de sua mão esquerda.

“Pra ser sincera, não é algo que eu gosto que as outras pessoas vejam. Afinal de contas, eu ainda sou uma garota.”

Ela desenrolou a bandagem inteira — e dobrou as mangas de seu uniforme.

E o que eu vi se estendendo para além do cotovelo do fino e feminino braço de aparência suave da Kanbaru foi — o braço de uma besta selvagem, angular e coberto de pelo grosso e negro.

Saindo da luva de borracha rasgada.

O cheiro de uma besta.

“Bem, é isso.”

“...”

Esse tipo de luva não poderia ser algo vindo dos Muppets — claramente. O cumprimento e a finura das luvas eram claramente não naturais, e fora de simples observações físicas, eu tinha testemunhado algo similar, similar, mas muito diferente, durante a Golden Week. Então eu entendi o que estava vendo.

Isso era um kaii.

Kaii.

Parecia-se com o braço de uma besta selvagem — contudo, eu não fazia ideia de que tipo. Parecia que podia ser de qualquer animai, e ao mesmo tempo, de nenhum. Enquanto se parecia com tudo, era uma parte de nada. Contudo, se eu tivesse que dizer, julgando pelos cinco dedos e as unhas bastante longas no fim de cada um deles —

Eu não acho que essa seja uma boa maneira de descrever uma parte do corpo de uma garota, contudo, eu disse:

“O braço de um macaco.”

“Se parece com — o braço de um macaco.”

Macaco.

O nome comum para os primatas, excluindo humanos.

Eu não acho que essa seja uma boa maneira de descrever uma parte do corpo de uma garota, contudo, eu disse:

“Ooh.”

Pela expressão dela, Kanbaru parecia, por algum motivo — impressionada.

Ela bateu em seus joelhos.

“Araragi-senpai, você realmente tem uma compreensão inconcebivelmente afiada. Estou espantada, os seus olhos devem ser tão diferentes dos do resto de nós. Ser capaz de discernir a natureza deste braço com uma única olhada, estou sem palavras. O seu conhecimento deve ser de um calibre diferente que o de uma mera plebeia como eu poderia acumular. Assim se parece — nenhuma outra explicação é necessária.”

“Não seja convencida só porque eu disse isso!”

Como se eu fosse deixar você parar de explicar agora!

Nós acabamos de começar!

“Eu só disse o que vi, eu não cheguei a nenhuma conclusão.”

“Sério? A Pata do Macaco é o título de uma história curta de William Wymark Jacobs. A ideia da pata de um macaco tem sido usada em todos os tipos de mídia e é dividida em várias —“

“Eu não sabia disso mesmo.”

Eu contei a ela a verdade.

“Sério?”, disse Kanbaru. “Pra ser capaz de ver a verdade sem saber de uma só coisa, Araragi-senpai, você deve ter sido escolhido por alguém lá de cima.”

“... Bom, já me disseram que eu tenho uma intuição muito boa.”

“Entendo. Eu espero bastante de mim mesma, embora não chegue perto do quanto você espera de si, Araragi-senpai, para ter o bom senso de colocar a minha confiança em você à primeira vista.”

“Entendo...”

Eu não acho que você tem um senso muito bom nos seus critérios.

Uh, eu olhei de volta para o braço esquerdo da Kanbaru.

A pata de uma besta — a pata de um macaco.

“P-posso tocar nele?”

“Claro, agora deve ficar tudo bem.”

“E-Entendo.”

Com a permissão de Kanbaru, eu gentilmente coloquei minha mão em seu pulso.

Timidamente, cheio de medo.

Textura, sensação... calor, pulso.

Estava vivo.

Eu sabia, isso deve ser um tipo de kaii vivo.

... Mesmo estando completamente bem em ter seu quarto ser visto nesse estado, Kanbaru parecia desconfortável em ter seu braço esquerdo sendo visto. Claro que ela estaria, com a desculpa de ela ter torcido seu braço enquanto treinava sendo tão conveniente. A bandagem não era para proteger seu machucado, mas para esconder o braço dela. Ela nunca tinha demonstrado nenhuma falta de jeito com o seu braço ou um hábito inconsciente de proteger o lado esquerdo de seu corpo que seria esperado de uma pessoa que torcera sua mão esquerda, o que eu tinha achado estranho, mas vendo isso de volta agora e dizer isso não parece ser muito convincente.

Porém.

Era certo que ela não podia jogar basquete com aquela mão.

Sem pensar, eu apertei o pulso dela.

“Não faça sons estranhos!”

Ela instintivamente puxou sua mão fora.

“É porque você me tocou de um jeito estranho!”

“Eu não te toquei de um jeito estranho nem um pouco!”

“Eu tenho cócegas!”

“Isso não significa que você deveria fazer sons estranhos que bagunçam como o seu personagem tem sido até agora!”

Agora que penso nisso, a Senjougahara também age fora do personagem um bocado. Claro, o jeito da Kanbaru era completamente diferente de como a Senjougahara age agora, mas se a Kanbaru sai de personagem desse jeito, isso significa que essa era a piada da Senjougahara no fundamental?

“Você pode ter se esquecido, mas, Kanbaru, aqui é o seu quarto, na sua casa. O que você pensa que aconteceria se os seus pais ouvissem você fazendo sons assim?”

“Ah, não se preocupe com isso.”

Kanbaru disse em seu tom despreocupado.

“Não se preocupe com os meus pais.”

“... Tudo bem, então.”

O quê...?

Qual foi a dessa expressão, como se ela não quisesse tocar no assunto, ou evidentemente não queria ter esse tópico ser ainda mais sondado. Mas ela disse essas palavras, que fugiam do personagem mais do que qualquer coisa antes, em seu típico tom de voz despreocupado.

“De qualquer jeito”, Kanbaru quebrou o gelo enquanto flexionava sua mão, abrindo-a e fechando-a. “Como você pode ver, nesse momento eu posso controlar ela de acordo com a minha vontade, mas tem vezes em que ela não se move. Não. Em vez disso, ela se move contra a minha vontade, eu acho —“

“Ela se move contra a sua vontade?”

“Acho que contra a minha vontade, ou os meus sentimentos. Eu acho que é difícil de entender. Ter isso explicado por mim quando eu nem mesmo entendo isso completamente. Pode ser bem óbvio, mas, enquanto foi definitivamente eu que lhe atacou ontem à noite, eu quase não tenho memórias disso.”

Kanbaru explicou.

“Acho que é como estar meio acordado, ou como um devaneio, não é como se eu não me lembrasse de nada, é como assistir algo na TV, como se na verdade eu não estivesse lá.”

“Um transe.”

Eu interrompi a explicação dela.

“É chamado de — transe... Kaiis que possuem humanos separam o corpo e a mente.”

No meu caso não foi assim — no caso da Hanekawa, no caso do gato da Hanekawa, foi bem assim. É por isso que a Hanekawa mal se lembra de qualquer coisa sobre a Golden Week, quando ela entrou em contato com um kaii. Acho que a situação atual é próxima disso — quando aconteceu com a Hanekawa, também houve mudanças em seu corpo.

“Você com certeza sabe um bocado, Araragi-senpai. Entendo, então é chamado de kaii, esse tipo de coisa —“

“Bem, eu não sou exatamente um expert. É só que recentemente eu tenho me deparado com esse tipo de experiência um bocado, e eu conheço um cara que sabe de um bocado —“

Oshino.

Esse era o território do Oshino.

O domínio dele.

“ — esse tipo de coisa.”

“Ok. Entendo, tenho sorte de você ser uma pessoa tão boa. Nós não teríamos sido capazes de conversar se você me rejeitasse assim que visse o meu braço. E eu teria ficado bastante magoada.”

“Tudo bem. Relaxa, eu vi coisas malucas o bastante pra ficar acostumado com elas agora. Incluindo o caso da Senjougahara também.”

A essa altura, imagino que depois eu deveria explicar que tinha me envolvido com um kaii e que tinha temporariamente me tornado um vampiro... Normalmente, em termos de prestação de contas, eu deveria ter explicado isso de antemão, mas agora ainda tinha coisas demais que eu não entendia sobre a mão esquerda da Kanbaru.

“Embora eu diria que ainda fiquei um pouco surpreso. Ou que me deu um susto, se eu fosse um estudante da quinta série. Mas agora que o maior choque tá fora do caminho, estou bastante confiante de que depois disso nada vai me surpreender.”

“Entendo, claro, foi exatamente por isso que eu lhe mostrei o meu braço primeiro. Pra tirar a parte mais difícil do caminho primeiro. Agora que nós terminamos com isso, vamos ao verdadeiro tópico no momento.”

Kanbaru prosseguiu com o seu sorriso.

“Eu sou lésbica.”

“...”

O meu queixo caiu no chão. Como em um dos mangás de Fujiko Fujio.

“Uh, oh.”

Vendo minha reação, Kanbaru disse “Isso pode ter sido um pouco brusco pra você, Araragi-senpai, já que você é um garoto. Hmm —“ enquanto inclinava sua cabeça.

“Deixe-me reformular isso. Eu gosto de yuri.”

“Isso é a mesma coisa!”

Eu gritei, tentando agir como eu mesmo.

Espera, o quê? O que tá rolando?

Então a Kanbaru e a Senjougahara eram chamadas de Combo Valhalla no fundamental? Assim como senpai e kouhai? E a Senjougahara chamava a Kanbaru de “aquela garota”? E ontem disse que nunca tinha terminado com um homem? Então ela quis dizer isso?

“Errado. Senjougahara-senpai era só o meu amor não-correspondido. Pra mim, Senjougahara-senpai era a minha senpai ideal, pura e perfeita. Só ficar ao lado dela era o bastante.”

“Só ficar ao lado dela...”

Mas ela acabou de chamar isso de amor não-correspondido como se fosse perfeitamente normal. Essa garota...

Hachikuji, a “garota em você” estava completamente errada... Espera, se acalme, eu não posso simplesmente negar tudo sem ouvir o lado da Kanbaru da história primeiro. Certo, talvez isso seja normal para garotas hoje em dia. Talvez eu só esteja sendo antiquado. Eu deveria pensar nisso mais levemente, mais liberalmente.

“Então, yuri... Entendo.”

“Isso mesmo, yuri.”

Kanbaru parecia feliz por algum motivo.

Mas, considerando tudo.

Sendo vampiros ou gatos, ou caranguejos, ou caracóis, presidentes de classe ou garotas doentes, ou crianças da escola primária, garotas-gato ou tsunderes, ou crianças perdidas, ou tudo só acabando ser sobre yuri. Este mundo é, como eu deveria dizer, ele com certeza tenta bastante, ou talvez seja só ganancioso...

Ele simplesmente só faz o que bem quer.

Imagino se a Senjougahara sabe que a Kanbaru é lésbica... Julgando por como a Kanbaru fala sobre ela, ela provavelmente não sabe. Bem, se ela sabia ou não, provavelmente não fazia muita diferença pra Senjougahara no fundamental.

As estrelas do time de atletismo e do time de basquete.

O Combo Valhalla.

“Senjougahara era popular com todo mundo, mas eu acho que a maneira que eu amava ela era diferente da de todo mundo. Eu tenho orgulho disso. Eu podia até mesmo morrer por ela naquela época. Morta ou viva.”

“...”

Eu não tenho realmente certeza se isso soou legal ou não.

“Uau, eu acabei de dizer algo bem legal. Misturar ‘eu amo’ e ‘viva’ foi muito bom, se posso dizer eu mesma. Não foi, Araragi-senpai?”

“No início eu não tinha realmente certeza, mas depois de ter colocado isso no final, eu tenho bastante certeza da minha pontuação.”

Não foi nem um pouco legal.

De todo jeito.

Eu pedi para a Kanbaru continuar sua história.

“Continuar não é realmente uma ótima palavra, isso nem aconteceu há tanto tempo assim. Eu acho que isso é onde a história se junta ao presente. O motivo pelo qual eu escolhi a Escola de Ensino Médio Naoetsu em primeiro lugar foi para seguir a Senjougahara-senpai.”

“Foi o que pensei... Acho que tô mais convencido do que surpreso com isso.”

Dependendo de como ela interpretar isso, isso pode ter soado insultante para com suas atuais colegas de time de basquete, então eu só vou manter isso na minha cabeça. Sendo a estrela do seu time de basquete do fundamental, ela deveria ter sido capaz de entrar numa escola mais voltada a esportes e jogado mais seriamente. Eu me perguntei por que Kanbaru escolheria o Colégio Naoetsu, sendo uma escola preparatória para a universidade que era, no máximo, completamente apática quanto a qualquer um de seus clubes, incluindo o time de basquete. Que motivação ela teria?

Amor imortal.

Eu acho que isso é um pouco demais.

“Eu me sentia tão atraída pela Senjougahara-senpai que teria comido um doce que ela tivesse cuspido fora.”

“...”

Isso é algo que você deveria realmente estar dizendo às pessoas?

“Mas, Araragi-senpai. Aquele ano após a Senjougahara-senpai se formar do fundamental e de eu me tornar uma terceiranista foi completamente cinza.”

“Cinza?”

“Minha cinza vida yuri.”

“...”

Ela com certeza gosta de usar a palavra “yuri”, não é? Tanto faz.

“Pensando na minha cinza vida yuri com as minhas cinzas células cerebrais.”

“Isso não foi nem um pouco engraçado.”

Pare de tentar inserir trocadilhos aleatórios quando quer que fale.

Ela está calma demais enquanto nós falamos sobre esse tipo de coisa.

“Você com certeza é estrito, Araragi-senpai. Os seus critérios são altos demais para mim. Mas é estranho, quando eu penso nisso como você só tentando me ajudar ao dizer isso, descubro que posso aceitar isso.”

“Então... o que aconteceu durante esse ano da sua cinza vida yuri?”

“Certo, durante esse ano, eu vim a descobrir o quão importante como pessoa a Senjougahara-senpai era para mim. Na verdade, esse ano em que fomos separadas pode ter sido muito mais importante pra mim do que os dois anos em que ficamos juntas. Então eu decidi que, se eu fosse aceitada no Colégio Naoetsu, eu confessaria para ela. E depois disso, eu passei todos os meus dias e noites estudando para conseguir entrar.”

Kanbaru falou em seu típico tom cheio de confiança, mas ela parecia estar corando um pouco. Acho que isso é só ela ficando um pouco envergonhado — droga, ela estava bem fofa. Eu só estava confuso quando ela começou a me perseguir, mas essa foi a primeira vez em que pensei na Kanbaru como a minha kouhai fofa. Eu senti uma nova região “yuri” de moe brotando dentro de mim...

De alguma forma, eu nem mesmo ligo realmente pro braço esquerdo da Kanbaru mais... Espera, o braço esquerdo dela deveria ser o tópico principal em primeiro lugar...

“Nem mesmo só um doce. Chiclete. Eu mascaria um chiclete que Senjougahara-san tivesse cuspido fora. Eu me sentia tão atraída por ela assim.”

“Eu não entendo os seus critérios nem um pouco...”

Você não poderia achar uma maneira melhor de explicar isso?

“Mas”

Ela disse, seu tom de voz baixando conspicuamente.

“Senjougahara-senpai mudou.”

“Ah...”

“Completamente.”

Um caranguejo.

Senjougahara Hitagi se encontrou com um caranguejo. Ela perdeu muitas coisas e jogou fora muitas coisas — e rejeitou tudo. Hanekawa era assim também, mas olhando para isso da perspectiva de alguém que teria conhecido a Senjougahara no fundamental, ela tinha mudado tanto que poderiam confundi-la com uma pessoa diferente. Para a Kanbaru, que colocou tanta fé nela, ela não deve ter nem querido acreditar no quanto Senjougahara havia mudado.

Tanto que ela sequer podia acreditar o que ela tinha visto com os seus próprios olhos.

“Eu ouvi que ela ficou bem doente depois que começou o ensino médio, alguma doença de longo prazo, e que ela saiu do time de atletismo. Eu já sabia disso antes. Mas eu nunca nem imaginei que ela poderia mudar tanto. Eu pensei que fosse só um rumor ruim.”

Grave. Uma doença pesada...

Bem, essa explicação não é errada... Mas para a Senjougahara, essa doença ainda não está completamente curada. Como uma doença crônica.

“Mas — eu estava errada. Os rumores em si estavam errados, mas eles não chegavam nem perto do quão ruim isso estava na verdade. Eu percebi que algo grave devia ter acontecido com o corpo da Senjougahara-senpai, e eu sabia que tinha de fazer algo. Eu pensei que eu tinha que salvar ela. Não tinha? Porque eu nunca me esqueci do quanto a Senjougahara-senpai me ajudou no fundamental, do quanto eu devia a ela. Nós estávamos em anos diferentes e clubes diferentes, mas ela era tão gentil comigo.”

“Essa gentileza...”

Eu me pergunto que significado essa gentileza tinha para a Senjougahara. Mas eu acho que essa não é a hora de falar sobre isso, ou perguntar.

“Então eu tentei ajudar ela. Eu queria ajudar ela. Mas ela completamente, inequivocamente me rejeitou.”

“Entendo.”

Eu acho que ela não me contaria exatamente como foi rejeitada. Ela provavelmente ainda está tentando proteger Senjougahara, Kanbaru nunca, não importa o que aconteceu, mesmo que sua boca estivesse sendo rasgada, dizer qualquer coisa ruim sobre Senjougahara.

Como eu pensei, ela tinha enfrentado algo tão ruim quanto ou ainda mais terrível do que o que aconteceu comigo. Até aí era fácil de deduzir, mas... Sinceramente, eu nem mesmo queria perguntar.

Pelo meu bem e pelo da Kanbaru.

Pelo bem da Senjougahara também.

Um grampeador.

“Eu pensei que poderia fazer alguma coisa.”

Ela disse. Ela parecia como se não pudesse sequer suportar mais a vergonha e que se arrependia do que tinha feito do fundo do seu coração. Mas ainda assim, ela falou num tom de voz casual forçado.

“Eu pensei que poderia fazer alguma coisa quanto ao que quer que Senjougahara tivesse. Mesmo que eu não pudesse me livrar do que estava causando isso, mesmo que eu não pudesse fazer o que quer que estivesse acontecendo com ela melhorar de forma alguma, eu pensei que ao ficar do lado dela — eu poderia curar o seu coração.”

“...”

“Eu com certeza fui idiota, não fui? Eu fui ingênua. Mas pensando nisso agora, é bem engraçado.”

Porque Senjougahara não estava querendo isso nem um pouco —

Dizendo isso, Kanbaru olhou para baixo.

“’Eu nunca pensei em você como a minha amiga, ou a minha kouhai — nem antes e não agora’. Ela disse direto na minha cara.”

“Bem...”

Ela diria algo assim. Na época. Ela estava completamente munida com armas ainda mais perigosas que seus artigos de papelaria, suas palavras.

“De início, eu pensei que ela quisesse dizer que pensava em mim como sua amante. Mas esse não era o caso.”

“Você com certeza é positiva.”

“Verdade. Mas continuando, ela deixou ainda mais claro pra mim. ‘Eu só fingi ser uma boa amiga para você porque ser amiga da minha caloura legal me deixaria mais popular. Foi por isso que eu fui boa com você, foi por isso que eu fiz o papel da senpai boazinha’.”

“Ela com certeza diz umas coisas cruéis.”

Ela queria machucá-la.

Para que ela se afastasse.

Mas ontem, Senjougahara a chamou de “aquela garota” e a chamou de sua kouhai do fundamental, e admitiu que elas eram amigas no fundamental mesmo que elas não fossem mais. Essa pode ser só uma explicação conveniente para mim, mas, ainda assim.

“Eu fiquei muito feliz por ela ter me chamado de caloura legal.”

Ela com certeza é positiva.

Do início ao fim.

“Mas eu percebi o quão impotente eu era. Eu era tão pretensiosa, pensando que eu podia curar ela só por ficar ao seu lado. A Senjougahara-senpai nunca quis ninguém ao lado dela.”

Realmente existem pessoas que não são solitárias, mesmo quando estão sozinhas.

Normalmente, eu pensaria que a Senjougahara definitivamente se encaixaria nessa categoria. No mínimo, ela não era o tipo de pessoa que sairia com um grupo grande sem nenhum motivo. Eu tenho certeza de que ela era assim, mesmo quando ela era uma estudante do fundamental sociável.

A diferença entre não ficar solitário mesmo quando se está sozinho.

E querer ficar sozinho.

É como a diferença entre ser insociável e odiar as pessoas.

“Então depois disso eu nunca me aproximei da Senjougahara-senpai novamente. Porque isso era a única coisa que ela queria de mim. Claro, não tinha como que eu poderia me esquecer da Senjougahara-senpai — mas, se ao deixá-la e não fazer nada e ficar longe dela, a Senjougahara fosse salva, mesmo que só um pouco, eu podia viver com isso.”

“... Você.”

Eu não tinha certeza do que eu deveria dizer. Eu estava tão impressionado, não com a sua atitude, que poderia até mesmo ser chamada de pura, mas com ela descrever a sua escolha não como “inevitável” ou que ela “não tinha outra escolha”, mas como ser capaz de “viver com isso”. Ela disse que a Senjougahara tinha mudado, mas ela a deixou por sua própria vontade.

Ela realmente estava séria.

Sobre a Senjougahara.

De quando ela estava no fundamental para um ano atrás, os sentimentos dela só ficaram mais fortes.

Mesmo agora.

“Eu tinha cuidado para não me esbarrar com a Senjougahara-senpai. Eu mudei tudo que fazia para não me encontrar com a Senjougahara nos corredores, para a gente não se ver durante as assembleias matinais, para que a gente não passasse uma pela outra na cafeteria. Eu cuidei de tudo para que a Senjougahara-senpai não tivesse que se importar comigo, e para que eu não tivesse que me importar com ela. Eu sabia que se fosse bem em qualquer clube, rumores sobre mim correriam por aí, então eu misturei fato e ficção nos meus próprios rumores e controlei eles.”

Não é nenhuma maravilha que a personalidade dela seja tão distorcida. Os rumores sobre ela nunca se encaixam.

Eu estava convencido.

Mas ainda assim, ser tão minuciosa, é quase como uma perseguição reversa.

“Foi assim que eu passei o meu primeiro ano. Não era nem cinza, mas mais como a minha negra vida yuri. Mas depois disso, eu fiquei mais imprudente e me envolvi mais com o basquete, eu não tenho certeza se isso foi para o melhor ou não, mas depois desse ano, eu descobri sobre você, Araragi-senpai.”

“...”

Ela pareceu ter descoberto sobre mim bem tarde, considerando o quanto ela se preocupava com a Senjougahara. Provavelmente não foi por que levou a duração de dois anos escolares, mas porque ela estava deliberadamente evitando conversações sobre a Senjougahara.

Independente disso.

Ela descobriu sobre mim, Araragi Koyomi.

“Eu não podia me segurar por mais tempo, então pela primeira vez em um ano, eu me aproximei da Senjougahara-senpai por minha própria vontade. Ou eu tentei. Claro, durante esse ano tiveram alguns erros descuidados, mas essa foi a primeira vez em que eu intencionalmente vi a Senjougahara-senpai. Eu vi a Senjougahara-senpai e você, Araragi-senpai, conversando na sala de aula uma manhã. E ela estava sorrindo alegremente como eu nunca tinha visto antes mesmo no fundamental.”

“...”

Eu me pergunto como ela estava verbalmente me abusando nesse momento quando ela estava sorrindo... Esse é praticamente o único momento em que a expressão dessa mulher muda alguma vez, quanto mais sorri.

“Você entende?”

Kanbaru se virou para me olhar.

“Você tava fazendo o que eu tanto queria fazer, mas que nunca pude... como se fosse a coisa mais fácil no mundo.”

“Kanbaru... isso”

“No começo, eu fiquei com ciúmes.”

Ela falou, enfatizando cada palavra.

“Eu tentei repensar isso,”

Eu podia ouvir a emoção transbordante que ela estava tentando controlar em sua voz.

“mas no fim, eu ainda estava com ciúmes.”

Ela concluiu.

“...”

“Por que não podia ter sido eu? Eu estava com ciúmes de você, e eu desisti completamente da Senjougahara-senpai. Eu pensei que teria funcionado se eu fosse um homem. E que não funcionou porque eu sou uma mulher. Eu pensei que mesmo que ela não precisasse de uma amiga ou de uma kouhai, eu poderia ser uma amante. Então,”

Então, disse Kanbaru, me encarando.

Ela olhava para mim, seus olhos estavam cheios de vergonha.

“Então, por que não podia ter sido eu?”

Mesmo que eu soubesse que ela era a minha kouhai e uma garota mais jovem do que eu, e que ela provavelmente não enlouqueceriam e me agarraria, eu estremeci.

Eu estava com medo.

“Eu estava com ciúmes de você, e eu desisti completamente da Senjougahara-senpai. E eu estava estupefata. O que eu tava pensando? ‘Curar a Senjougahara-senpai’, ‘deixar ir’. Tudo isso era uma mentira. Tudo isso era só o meu ego. ‘Se eu estava bem com isso, então isso estava bem da maneira que estava’. Por acaso eu pensei que a Senjougahara-senpai me elogiaria por isso? Eu fui idiota. Eu fui tão hipócrita. Mas, ainda assim, eu queria que a Senjougahara-senpai fosse gentil comigo como ela costumava ser. Eu não ligava se isso era o meu ego ou o que fosse, eu só queria ficar ao lado dela.”

Kanbaru tocou sua mão esquerda com a sua mão direita.

A mão dela de uma besta.

“Então eu fiz um pedido a esta mão.”

Notas do Tradutor[edit]

  1. Valhalla em japonês é Baruhara. Kanbaru e Senjougahara.


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